© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Açorianos que devíamos conhecer


Podia aqui escarrapachar uma lista cheia de nomes de ilustres açorianos. Gente de coragem, de cultura, das ciências, do futebol (pois, de repente só estou a ver o Pauleta), enfim, gente que devíamos conhecer, mas desde que por lá me vi, houve uma figura que mais interesse me suscitou.


«Tendo feito, durante a maior gravidade da moléstia de minha esposa, em 1854, o voto de edificar uma pequena capela da invocação de Nossa Senhora das Vitórias, e não havendo realizado ainda o meu propósito por circunstâncias alheias à minha vontade, ordeno que se faça a dita edificação, no caso que ao tempo da minha morte não esteja feita, no sítio que havia escolhido, junto da Lagoa das Furnas, com aquela decência, e boa disposição em que eu, se vivo fora, a teria edificado

Este excerto é parte integrante do testamento feito em vida por José do Canto, eminente intelectual, homem de ciências, bibliófilo e responsável pela introdução do famoso ananás nos Açores, assim como do único local em toda a Europa onde se cultiva chá e de muitas mais espécies e de novas técnicas de cultivo. A riqueza do seu percurso académico, em Paris, Londres e em Coimbra, encontra paralelo na sua biblioteca pessoal com mais de 25.000 títulos desde o séc XV ao séc XIX, incluindo uma primeira edição dos Lusíadas – aliás, foi detentor da segunda maior colecção camoniana do mundo – e de todas as primeiras edições dos escritores seus contemporâneos como o Eça, Herculano, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco e, ainda, Charles Darwin e Alexandre Dumas (pai e filho). Mas o que me leva a escrever sobre José do Canto prende-se com o supra excerto do seu testamento, levando-o a construir nas margens da Lagoa das Furnas a mais enigmática ermida de todo o arquipélago: a Capela de Nossa Senhora das Vitórias. 
Esta ermida, erigida solenemente em 1886, onde presentemente jaz toda a sua família (os filhos morreram precoce e tristemente), de estilo neo-gótico em cantaria de basalto e vitrais franceses da conhecida casa Moisseron et L. André, é de um fascínio arquitectónico impressionante e incorpora uma trama familiar de facto trágica mas que ainda assim faz pontificar a tradução máxima do Amor que um homem pode ter à sua companheira de sempre. O local é concomitantemente belo, sinistro e enigmático.


2 comentários:

  1. É curioso que no blogue Dias com Árvoresm que leio sempre, hoje também dedicam a entrada aos Açores, mais precisamente à Ilha das Flores e falam da ausência de população num paraíso à face da Terra. Talvez por isso se mantenha um paraíso...:)

    Se ler a tua entrada e a deles fico com uma ideia interessante dos Açores e com mais vontade de lá ir. Continua a informar-nos daquilo que muita gente não sabe acerca das nossas ilhas.

    Por acaso sempre senti um fascínio pelos Açores e acho-o em muitos aspectos parecido com a Irlanda, que adorei.

    O Vitorino nemésio foi meu professor na FLUL e era sui generis, uma pessoa única....

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  2. É parecido com a Irlanda, sim (com vaquinhas em vez de ovelhas). Mas em semi-tropical e em melhor. Tem um latitude inversa muito similar à Nova Zelândia. Vou comprar lá casa!

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