© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Desaparecida


Aparecia-lhe quase todas as noites durante quase vinte anos consecutivos. Quando acordava já nem distinguia o sonho do pesadelo, apenas se via suado, frio e transtornado como se fosse a primeira vez. Afinal Isilda tinha sido a sua grande paixão; andaram e desandaram por uns longos quatro anos na faculdade e acabaram sem uma só palavra no final. Foi um desvario de tal forma fulminante que nunca chegou a arrefecer o que deveras sentira, volvidas quase duas décadas sem nunca mais lhe pôr os olhos em cima. O pretérito aqui é incorrecto, pois cada vez que ela lhe aparece à noite de rompante durante aqueles minutos que os especialistas chamam de sono REM, ela grita bem alto presente com a sua voz rouca e impositiva. Aliás, faz-se presente e muito quente, relembrando em quanta salacidade todo o seu longo e desejado corpo já se lhe desfizera em pontadas de contínuo e irrepetível prazer.

Dois anos de psicoterapia centrada fizeram-lhe por fim entender a razão das aparições. Cada vez que não se sente afectiva e sexualmente sobre ressarcido – e só elas, e a psicóloga, sabem o quanto ele necessita de tudo isso e de uma pitada mais – , Isilda volta mais loura, altiva e risonha do que da última vez. E como ao acordar, fogosa, lhe foge, deixando-o uma e outra vez sempre mais sozinho, triste e real, só lhe resta conferir algumas coisas: não pode estar de bem com a mulher, nem com a amante ou muito menos com a vida em geral.

Isilda dissera-o!

2 comentários:

  1. Não pode é estar bem com a vida real... Não será?!
    :))

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  2. Respondo-lhe aqui à consideração que me fez no blogue do Senhor Embaixador: quem não me pára de surpreender de facto é a Estimada Helena. E ponha estima e admiração aí, consecutivamente... :)

    Abreijo,
    Paulo

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