© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Disse que me amava

 


Utilizo o verbo gostar com a frequência adequada; o verbo adorar com a parcimónia da rendição, mas amar só com bisturi e sob intervenção. Namoro-a há já algum tempo, sem predicados nem complementos. Creio-a simplesmente presente, como a minha mão sobre o meu peito ou como o meu coração, quando deixa de bater compassado, semi-enterrado à altura do chão. Não pertenço ao seu mundo, nem à sua atmosfera deserta, mas sabendo-a lá em cima previsível, a serenidade se me entranha constante, como um relógio parado, que livre se deixa levar pelo tempo. Em Bagdad, Lisboa ou Auckland; tapado ou a descoberto. Depois deixa-se povoar e encher de pensamentos. Promessas, juras cruzadas e consentimentos. Faz-se térrea, quente, gelada e húmida; ilumina silêncios profundos, sepulta medos e desfaz-se em segredos.
 
Sóis há muitos, mas luas só uma. A minha é eloquente e desassombrada, mas ao certo não lhe pergunto nada. Às vezes, simplesmente acompanha-me e eu retribuo, olha-me conhecedora e eu correspondo - retribuo e correspondo sempre. Outras, é mera dama de companhia que me segura a mão na cabeceira da cama e conta-me histórias vernianas até o entorpecer mimado.

Não há nada melhor do que um corpo celeste e quase inerte curioso pelo traço indelével do nosso olhar.

19 comentários:

  1. A lua é como uma mulher: misteriosa, sedutora, romântica e aconchegante.
    Lindíssimo este post (o mais bonito de todos?) feito de música, luar e sentimento.

    Lembrou-me, também, uma canção de Rui Veloso: "eu hei-de te amar por esse lado escuro/ com lados felizes eu já não me iludo/ se resistir à treva é um amor seguro /à prova de bala, à prova de tudo" (...)

    Momento de grande inspiração(o seu, claro!)
    Que venham mais assim, desejo-lhe eu, Paulo.
    E que os partilhe connosco...

    Beijinho :)
    Isabel

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    1. Muito obrigado, Isabel!

      A "minha" lua não é misteriosa, nem sedutora, nem sequer romântica. A minha Lua é aconchegante, sim; sou Eu!

      Beijinho :)

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  2. O amor, tem dessas coisas... E é lindo, de facto, quase perfeito. E quase, só porque não creio em estados puros.

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    1. Não acreditas em estados puros...?
      Não acreditas na lágrima quente e grossa que escorre lenta sobre a bochecha viva de uma criança...?
      Não acreditas no amor incondicional de uma mãe (ou de um pai) por seu filho...?
      Não acreditas em ti, CF...?

      Tudo é estado puro, os nossos olhos e mente é que adulteram.

      Bjos

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    2. Pois é. E o que somos nós e tudo o resto, senão o que os olhos vêem e o que mente sente? E projecta, e ambiciona... Pureza não combina propriamente com humanidade, e tu sabes isso tão bem quanto eu... Quanto às minhas crenças, são minhas, tal como as tuas são tuas. Eventualmente, serão esses os locais mais próximos da realidade perfeita que conseguimos encontrar... Não?

      Beijos...

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  3. Quanta beleza, quão simples e profundo.
    Amei.
    Beijo

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    1. Oi, querida Lucia. Há quanto tempo!
      Já vi que voltou em força. Espero que se encontre bem.
      Beijo e obrigado.

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  4. Belíssimo, nunca chegaria a dançar com as palavras e as luas desta forma. :) Mas revejo-me num certo "georomanticismo" que por aí consegui entrever, vá lá :) Bjs

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    1. Por razões que agora não vêm ao caso, a Lua tem sido minha companheira, sim, Fátima. Há quem se fique por uma trilogia, um lugar, uma sensação. Comigo, encontro paz n'Ela. Mesmo tantas vezes ausente, sei sempre que está lá.
      Beijos :)

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  5. A lua é tão bela e o luar taõ misterioso que lhe dediquei duas páginas do meu manual - onde coloquei uma cação maravilhosa do John Maus Hey Moon e uma foto que só tu poderias compreender. O luar visto da jardim da nossa casa da Luz, insinuando-se por detrás da palmeira da minha Avó, que já não existe como sabes. Ficou ali perpetuada para os vindouros. É a página mais bonita do manual....mas dificilmente os alunos compreenderão o se significado.

    Mas tu, sim, porque já viste, como eu, aquele luar de Agosto, aquelas palmeiras e aquele frémitoque nos perpassa quando recordamos as nossas adolescências românticas e despreocupadas.

    A Lua , a palmeira e a minha Avó numa só fotografia, que eu quereria vivessem para sempre.

    Bjos inspirados

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    1. Acho que já me mostrou essa foto duma lua cheia reflectida no mar recortada pela malograda palmeira... Os miúdos até podem não compreender agora, mas hão-de lembrar-se um dia. E fez muito bem em dedicar e perpectuar duas páginas do seu manual à nossa lua: como escreveu Pessoa, "passo e fico, como o Universo".

      Beijos,

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  6. Desculpa as gralhas, Paulo.

    È que hoje foi um dia e tanto! Acho que vou ficar aqui para sempre......

    Bjos

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    1. Parte significativa sua vai ficar. Eu sei que sim... :))

      Bjos,

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  7. Paulo
    A minha lua não é sempre a mesma. Uns dias está lá, redonda, a velar por mim. Noutros desaparece para ir visitar outras gentes e outros mundos. Nela, o que mais gosto é do manto de luar que me deita, me acaricia e embala.
    Já o Sol é uma outra história de amor. Sinto-o no meu corpo. Dá-me vida e vontade de viver.
    Uns, são lunares como o Paulo. Outros, são solares como eu!

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    1. Helena,

      Também sou solar, diria mesmo que sou basicamente Sol. E até sei que coexistem tantas vezes juntos durante o dia. Hoje, por exemplo, dia 22 de Abril, a lua nasce às 16:56h e põe-se muito mais tarde do que o sol (às 04:35h). Não me peça para escolher entre lua e sol, se posso (podemos) ter ambos para sempre...

      Beijo!

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  8. Mas, Paulo, você quer o que todos queremos, ou seja, o melhor de dois mundos que só raramente coincidem. E quando isso acontece é porque um está a chegar e o outro a partir... :-))

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  9. Precisamente: o melhor de vários mundos, em que nenhum exclui os outros. Uns chamam-lhe sorte; outros, qualquer coisa muito idêntica à verdadeira felicidade. Não é impossível, pois não...? :-))

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  10. Não, não é. É verdade. E quem o experimentou lembra-o para toda a vida.
    Mais, até pode repetir-se e com mais intensidade. Mas a lotaria também tem vários prémios. Desde a taluda até à terminação. Às vezes, a melhor não é a primeira. Esta é só a maior. Mas isso só a experiência é que ensina. Cada vez mais aprecio a qualidade em detrimento da quantidade. Mas isso, você sabe muito bem!

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