© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 25 de março de 2014

estima

Freud dizia coisas condenáveis que batiam certo. O que nos define pode efectivamente soar a estranho, basta que para isso nos debrucemos com afinco no complexo de édipo, uma improbablilidade inesperadamente presumível, percam uns minutos do vosso tempo a pensar o assunto. Percebemos também que podem existir outras causas mais objectivas a tentar explicar estas e outras questões, para quem não apreciar os devaneios do inconsciente, o local do mundo onde tudo acontece se a censura não nos matar caminhos. Aprecio a censura, contudo, o que seria de nós sem ela? Ficaríamos uns seres presumidamente isolados e de regra imprecisa, subjugados ao principio do prazer, principio este também possível por sermos sociais. Confuso? Não diria. Tal como não me confundem algumas outras teorias proferidas pelo mesmo médico (génio) neurologista, como aquela em que me diz que tememos nos outros a nossas próprias falhas, os nossos próprios medos, as nossas próprias realidades, as nossas próprias frustrações. Facílimo de perceber, o que mais nos assusta é o que de alguma forma conhecemos bem, cá dentro. Ou que já sentimos vindo na nossa direcção, e aqui admitindo a ligação perfeita exterior/interior, e a capacidade de aprendizagem. Explico melhor: jamais posso ter o verdadeiro medo da injustiça se nunca fui injustiçado ou se nunca cometi uma iniquidade, e trata este um mero exemplo, inserido numa universalidade de muitos outros. É claro que os sentires intermédios e meramente idealizados podem ser o morno da existência, uma ambição extravagante do sossego porventura jamais alcançado, que a exponencialidade séria da vida não se coaduna com ideias preconcebidas e vazias de conteúdo.

Ocorre-me sempre e neste contexto o agradável educador Daniel, um pequeno moço que a vida largou para a morte cedo de mais. Tratava as senhoras com uma delicadeza persistente, reunia sabedoria farta num corpo novo, a prova de que os anos não são os únicos indicadores válidos de crescimento, e exaltava tranquilidade na frase mágica que dizia com a constância de um respirar: quem não confia, não é de confiar. Ele sabia o que dizia e de quem falava. Sabia que a segurança nasce primeiro em nós e só depois do outro lado, sabia ainda que se a dita não se assomar dentro do corpo, jamais nos aparece envolvida por um outro além do nosso. 

Gosto destas doutrinas que me fazem todo o sentido, aprecio as verificações sentidas frequentemente em cada passo que dou, estimo a ciência inconveniente do comportamento, aquela que sem medo me justifica a ira, o desejo, a revolta e a maioria dos pecados. O ser humano não é puro por natureza e tudo o que reme ao contrário é coragem e persistência. É exactamente por isto, que nos tenho em tanta estima. Pelo menos a alguns.

4 comentários:

  1. Confesso que me perdi um pouco nos meandros do (seu) Freud, que eu sou pouco dada a psicologias, sem qualquer tipo de ofensa ou menosprezo, mas diria, abreviando - e provavelmente simplificando também - que a estima e o afecto é do melhor que a vida tem :)

    Beijinho, CF!

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    1. :) É fácil a perca dentro do inconsciente alheio, que no fundo no fundo, é quase o que ali está. A confusão por vezes instala-se cá dentro, e insisto em traduzi-la na escrita, enfim, dá nisto. No fundo o que queria dizer resume-se a isto: "tememos nos outros a nossas próprias falhas, os nossos próprios medos, as nossas próprias realidades, as nossas próprias frustrações.", e a isto: "O ser humano não é puro por natureza e tudo o que reme ao contrário é coragem e persistência." Como vê o resto é floreado, ou melhor, devaneios inconsequentes... :)

      Um beijinho para si também.

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    2. Mas não será também assim no amor? Não é nosso reflexo que amamos no outro?
      Abraço

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    3. Cara Helena, isso daria uma dissertação de mestrado... :) Tem razão, parece-me, tem toda a razão. O amor, e em sentido prático e francamente reduzido, é o que nos falta, o que nos completa, o que ambicionamos, o que queremos... Não amamos todos da mesma forma porque somos todos diferentes, nem amamos num espaço vazio, mas sim numa consistência interna que se reflecte no outro, sim... Vale-nos, e para que a magia aconteça, o romantismo e a entrega, o desejo e, lá está, todo o inconsciente... Mas também aí, como tão bem diz, é todo ele um reflexo de nós. Nem que seja puramente antagónico, o que, como sabe, também significa imenso...

      Um abraço também para si. Apreciei muito a sua observação... Tudo quanto me dá pano para mangas me fascina. :)

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