Ela estava perdida de amores. Respirava os afrontamentos do
corpo, falava com os calores das palavras, olhava o mundo pincelado a magenta
quente, num cruzamento fugaz entre a vontade e o medo. Espreitava todos os dias
pela escada subida, miradouro para o dilúvio que se estendia em frente, sem fim
à vista, quer o sol nascesse quer o sol morresse, numa improbabilidade qualquer
que ninguém explicaria. Há realidades sem explicação. Há factos ininteligíveis mais fortes do que a ira da natureza, do que as coordenadas célicas, do que os
bichos que alombam com cargas pesadas encosta acima, tudo observável, tudo
audível, tudo perceptível. O que não se
vê pesa tanto porque se acomoda na ideia. Ganha forma na construção interna da constância,
não conhece a impossibilidade e não verga com a contramão. Não há escolhas, há
caminhos com direcção, há mãos que agarram sem freio que as sustenha, há passos
que marcham sem barreira que os pare, há bocas que tocam na fome farta da noite.
Quando assim é perde-se a força real. Perde-se o mando e a luta instala-se no
corpo, entre o que parece ser e se pode comprovar, e o fundamental invisível
desenhado a tinta chinesa, preta e circunspecta, precisa e concluída, na
incorrecção do perfeito.
O catavento do
topo e perante isto, olha inerte para o horizonte. Vira-se sempre para o mesmo
lugar, aponta o bico para o vácuo do destino, despreza as sujidades da frente
fria e avança sem vacilar. Na torre da igreja o sino toca. A melodia é da hora
certa, nunca falha. Ela desce, perdida de amores, senta-se no muro de pedra
fria e pensa-se descoberta: perdido é o mundo, que não sabe para onde vai (o desnorteio do incerto, é infinitamente mais fácil).
Sem comentários:
Enviar um comentário