© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 13 de março de 2014

revolta

Resido num País significativamente oportunista, mas ainda assim indignado. Não costumo dizê-lo muitas vezes, há quem não goste e de imediato se insurja na defesa patriótica, tenho o capricho de criticar as origens, um vício, uma imperfeição, um defeito de gente com a mania de ser importante. Não me conhecem, é um facto, a única mania que encerro no corpo é a dos princípios que me regulamentam a existência e pelos quais tenho o maior respeito do mundo, até porque preciso deles para ser e viver. É por isso que eu condeno e não utilizo determinados compadrios, motivo pelo qual também assumo o que faço e o que entendo, o que defendo e o que represento. Quando olho à minha volta já não me assusto nem me indigno, estou habituada, mas este costume não me apaga a inquietação de conhecer o pobre cada vez mais abandonado, e o rico cada vez mais governado. E fico-me por aqui, fraco sítio, já lá vai o tempo em que eu mudava o mundo (grande tempo esse). Esse tempo morreu na adolescência, início da adultez, juntamente com uma réstia de ingenuidade já desanimada pelos percursos, mas ainda assim um tanto ou quanto resistente. A simplicidade, confesso, sempre foi a minha maior inimiga. Não rebusco vontades, não tenho por hábito polir pessoas, não pego ao colo os grandes nem costumo lustrar estandartes, uma maçada para quem convive comigo à espera de retribuições. No final de tudo e em sentido prático, o único mérito que me reconheço é a fidelidade e a capacidade cada vez mais suprema da "não indignação". Resumindo: constato, analiso, encaixo, preocupo-me, denuncio ou pronuncio-me de acordo com a circunstância, passo à frente e deixo o País e o mundo iguais, a brilhar por mãos empenhadas. A revolta, acabo por concluir, é o preço a pagar por quem utiliza a astúcia e expira ultrapassado. 

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