© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 10 de abril de 2014

umas para as outras

A pergunta básica era o porquê. Claro, os porquês invadem-nos a meninice curiosa e perseguem-nos porventura até ao lugar final, porque somos assim, porque queremos de tal forma, de onde provimos, para onde vamos, será que voltamos, porque fazemos muito além do que é básico à sobrevivência, e adiante. Fico feliz com curiosidades, revelam-me sempre uma busca continuada de justificações que não surgem, como uma eterna procura, um remédio sem efeito, uma incessante insistência, um móbil disfarçado. A ideia era entender a culpa, por inútil que pareça, acaba sempre por ser um caminho. - Minha ou dele?, pergunta-me de olhos arregalados, os delas nos meus, os meus no vazio da pesquisa de explicações que por vezes encontro na janela aberta à rotunda da cidade (o movimento revela-me sempre lucidez de consciência). Ela afirma-me com certeza quase absoluta que o avanço se encontra nela e na sua própria valorização. Ele por sua vez afiança-lhe que a segurança está nele, que soube fabricar o casulo onde ela hoje se aninha, sem ventos, sem tempestades. É importante, a indagação da culpa é de extrema importância e faz toda a diferença na decomposição da situação: ou estamos perante uma mulher que recuperou de uma lesão forte, ou perante um engenhoso construtor (ainda que benfeitor). Ele que me perdoe, mas para o caso não aprecio obras de arquitectura, creio antes no empenho árduo da evolução. 

(Mas é claro, é claro que a finura do engenho poderia funcionar, e sendo assim apeteceu-me indicar-lhe que o fizesse. Um simples – Meu querido, és um artista, fica sempre bem no topo do bolo de qualquer paixão. Faz com que o alvéolo se torne ainda mais apetecível, é tudo uma questão de subtileza emocional, a mais nobre das artes dominadas pelo sexo feminino. Não deixei que a minha vertente mulher me invadisse o espírito ao ponto de inquietar o meu desempenho profissional, pois claro, ponderei com ela a verdade, centrei-me na perspectiva da evolução coerente que me mostra semanalmente, brindamos juntas ao valor do progresso. Saí feliz com a minha competência, e ao mesmo tempo infeliz com a minha complacência: deveríamos sempre ser umas para as outras, sempre!)

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