© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 15 de maio de 2014

a dor


(Escultura de Alexandre Farto, imagem retirada do google)

Maria, o nome de todas as mulheres, vive com medo. Vive com medo de que os dois filhos precisem de viver sem ela, a sensação de não ser substituível é tremenda ao ponto de doer. Dizem os entendidos que a dor é o que nos salva das coisas ruis. Que é o sinal de alerta por excelência, o indicador de que a continuidade poderá não ser viável por si só, a prova de que o recobro é preciso para prosseguir. Maria sabe disso. Foi-lhe dito em tempos, como se os milagres não se resumissem à ressurreição, à cura e à salvação, e a dor constituísse um prodígio que se dá em prol da vida, do crescimento, da evolução. Concordo com Maria. Concordo com o facto de que as mães são insubstituíveis aos filhos, concordo também que a dor é a maravilha que nos pode salvar das circunstâncias, o símbolo, o sinal. Sei porém que quando é mental temos tendência a desprezá-la como quem despreza o lixo, a morte, a ruína e a desgraça. Gostamos de apagá-la do rosto, de pintá-la de cores, ousamos esconder dela o que pudermos e socorrer os olhos, as palavras, as ligações sinápticas que nos autorizam a pensar, os risos que nascem sem saber. É normalmente aqui que a toda-poderosa se desforra, se imiscui na sua autoridade e transparece sem que se queira em cada bocado de corpo, em cada lágrima escorrida, em cada lábio trémulo, em cada gesto vazio. 

Tratar a dor mental com desrespeito é uma profunda manifestação de cegueira. Essa dor é para ser atendida, acarinhada, sentida e acomodada. Só assim cumpre a resolução a que se propõe, e antes disso é impossível progredir. Depois não sabemos, mas isso não saberemos nunca.

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