© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 18 de novembro de 2014

sapatos verdes

Li num belíssimo livro que uns determinados sapatos verdes poderiam bem ser uma decoração. Não uma decoração qualquer, entenda-se, mas uma decoração com história, uma decoração com memória escrita onde mora uma vida, muito além de uns pés. A verdade é que mudei de paradigma há bem pouco tempo. Coisas, coisas por si eram para mim um local vazio de conteúdo. Significavam uma utilidade que poderia ser um sapato, poderia ser um vestido, poderia ser uma decoração. Hoje já percebo o objecto como fenómeno de transição, já lhe perscruto o valor, já lhe descubro o sentido, já lhe aprecio a construção muito além da forma comum. Reconheço-lhe agora uma realidade interna e individual, o que faz com que os redimensione a um outro patamar de existência. Uns sapatos verdes, por exemplo, uns simples sapatos verdes em exposição. Para mim um acessório lindo de morrer, para ele uma decoração, para alguns uma excentricidade, para outros uma alienação. Para ele são ainda um elo de ligação que ele queria ter em casa, na cómoda em frente ao espelho, entre o colar de oiro e a claridade de um sol, um dos exactos momentos onde lhe falta o sorriso. Para além de todas as outras ausências, ao lado de todos os outros lugares. Tem pena, refere, deveria tê-los comprado com ela naquele dia em que os deixou na loja. Altos demais para usar, lindos o suficiente para os querer. Uns sapatos verdes que seriam uma boa decoração. De interior.

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