© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Viagem às urgências

 
 
Tive a oportunidade de conhecer muitos países ao longo da vida, vivi mesmo em alguns por uns anos, conheci novas culturas, gentes, paisagens urbanas e naturais. Estive em locais que não trocava por nenhuma boa estante de livros, mas percorri outros onde corri riscos de vida, fui sequestrado e passei por momentos complicados – presentemente, alguns destes lugares abrem os noticiários e fazem-me lembrar uma frase que dizia a quem me esperava: nós, portugueses, ainda vivemos num jardim esquecido muitas vezes abandonado e descuidado, mas que nunca deixou de ser uma representação, mesmo que ínfima, do paraíso. Falo precisamente dos mesmos itens: cultura, gentes e paisagem. E só acrescento a segurança.

Há um bom punhado de anos, provavelmente desde sempre, tenho por ambição conhecer dois países. Um é o mais afastado da Europa; o outro, do mundo. Um é o mais parecido com os primórdios do planeta, onde o fogo e o gelo mediam forças e se transformavam em água e energia. O outro, o mais próximo do Éden, onde há um pouco de tudo mais uma beleza infinda. Ambos são constituídos por fiordes de cortar a respiração, uma palete de brancos, azuis e verdes ainda por catalogar, vulcões e géiseres com direito a duendes, elfos e trolls e, imaginem, climas relativamente amenos. Islândia e Nova Zelândia são países civilizados, muito desenvolvidos, onde Reykjavík e Auckland (as cidades mais populosas de cada um deles) fazem as delícias de qualquer cosmopolita. Claro que para mim tanto faz, são as paisagens que me magnetizam. As montanhas, os lagos, os glaciares, os mares, a flora e a fauna. Adivinharam, as fotografias.

Há uns dias estava a informar-me melhor sobre um destes destinos (viagem, circuitos, locais de interesse) quando, umas horas mais tarde, me vi imerso numa madrugada húmida nas urgências de um hospital e pensei: viajar e explorar não é para todos, as mazelas do corpo concorrem com as caminhadas longas pelas escarpas íngremes. Viajar primeiro, ler mais tarde - cogitei. Andar primeiro com as próprias pernas pelo mundo e, só depois, voar mais alto nos arroubos da imaginação pelos bancos do nosso jardim. Ou então barricamo-nos num resort de luxo. Claro que esta última opção, sem julgamentos maiores, depende unicamente do que já lemos.

12 comentários:

  1. Paulo
    Curioso post, este, seu. Porque nele está contido, com pequenas variações, o que certas pessoas, de facto, são. É essa tormenta - sonho, desejo profundo, comandado pela alma, versus ser, poder, realizar, comandado pelo corpo - aquilo a que chamo viver. Acomodar a vida à realidade dos dias, dos compromissos, dos "outros", é aquilo a que chamo inteligência emocional. Todos temos? Não.
    Bjo

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    1. E como a inteligência emocional pode rejuvenescer e revigorar todo um corpo, Helena... :-)))

      (excelente comentário)

      Abreijos

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  2. Curioso que foi o que me aconteceu em Junho quando já tinha voo marcado e tudo planeado para ir à Austrália. Tive de cancelar tudo dum momento para o outro por causa do meu joelho que quase me impedia de ir dar uma volta ao quarteirão. Os sonhos esfumaram-se....e em Outubro, resolvi arrostar com as dores e ir à Califórnia, uma viagem de avião de 20horas, que me deixou derreada, mas feliz. Se eu tivesse sabido que ia ter estes problemas terríveis nas articulações, teria viajado mais cedo e mais longe.....nem sequer à Índia, terra do meu Pai, fui. A mim agora só me restam os "arroubos da imaginação".

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    1. É exactamente por aí, Virgínia. Sabe quando um corpo é considerado no esplendor da sua condição física? Entre os 21 e os 28 anos. Vale o que vale, mas uma boa cabeça aguenta muito mais...

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    2. Pois é, mas nessa idade, Paulo, não há dinheiro, há os filhos, há os exames e estágios....quem é que pode aos 25 anos meter-se numa viagem dessas? Bem sei que é uma questão de prioridades, mas as minhas nunca foram as de viajar para países longínquos. Fui a vários países exóticos aos 50 e ainda aguentava bem, não estou nada arrependida. As recordações também fazem parte dos sonhos e da imaginação....

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    3. Claro que fazem parte!

      (Quase todas as viagens que fiz foram por questões profissionais, mestrado incluído. Por isso mesmo, nunca fui aos dois países mencionados)

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  3. Sim e não, Paulo. Também se pode sempre pensar que ler primeiro e viajar mais tarde nos permite fruir mais plenamente o que conhecemos com as próprias pernas e olhos, porque tudo o que entretanto imaginámos, intuímos, vivemos nos dá mais mundo também. (Mazelas do corpo à parte, claro está ;))

    Continuo a gostar muito dos seus posts (como sempre...)

    Beijinho :)

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    1. Uma não interdita a outra se pensarmos que mente e corpo sãos possam coexistir até ao fim, contudo este tem mais dobradiças e necessita de mais fuel. A dicotomia não é nova, já n'Os Maias do Eça, advogava-se primeiro o desenvolvimento do corpo e só depois o da mente, ao bom estilo inglês (lembra-se do Euzébiozinho amarelo com lombrigas que só sabia recitar poemas de cor?). Agostinho da Silva cria que só depois do dezasseis anos os jovens deveriam começar a estudar. Eu próprio gostaria de voltar à universidade depois de já ter vivido umas coisas. Aprendia e ensinava mais e melhor. Viver (viajar) e aprender (ler) são duas formas válidas de evoluir. Em não havendo mazelas, claro está.
      Obrigado e beijinho :)

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  4. A vida passa para aqueles que não têm sonhos, vontade de conhecer, ver, ouvir, aprender, cheirar novos “mundos”!
    A vida custa aqueles que têm sonhos e não os conseguem realizar.
    Vivem aqueles que vão ao encontro dos seus sonhos, que vêm, conhecem, aprendem, sentem outros lugares e outras gentes.
    E para seguir um sonho qualquer idade é boa. Se aos 20 anos fazia, por exemplo, um percurso na montanha numa 1 hora, agora faço-o em 2 ou 3 horas. E a verdade é que agora vejo, sinto, cheiro, aprendo, gosto … muito mais que aos 20! Frase ‘feita’ mas verdadeira : “Haja saúde e vontade!”
    P.S : Que venham muitas fotografias da Nova Zelândia. Quero ver! Todas! ;)

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    1. Haja saúde e vontade e talento como revela o seu comentário, Maria João ;)

      PS: Terei muito gosto em mostrar todas, mas acho que terei de ir sozinho. A companheira não aguenta 30 horas de avião. Diz que chegava morta dos nervos... ;)

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  5. Paulo diga a sua companheira que há umas pastilhinhas que ajudam na viagem ( entao se juntar um copito de whisky, ainda melhor! ) 😊
    E o depois compensa!!! Mesmo!

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    1. Ah ah ah ah! Não preciso, ela lê-a :)
      (Vamos ver é se fica convencida...)

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