© Paulo Abreu e Lima

sábado, 26 de setembro de 2015

perdão

Sempre que me desiludo com alguém desisto de compreender as pessoas. Disse desisto? Mentira, faço um pequeno interregno, tento incluir na lógica do mundo as reacções ilógicas, disseco os absurdos, engreno a máquina e toca a andar. Depois de vez em quanto perco o sono com isso. Nas noites em que perco o sono encontro invariavelmente o meu pensamento mais privado, aquele que à luz do dia se esconde dos meus olhos como se na verdade nem existisse. Chego a pensar se o guardo na almofada e o ressuscito de vez em quando, só mesmo quando faz falta. Normalmente nunca concluo coisa nenhuma, a noite nunca me ajudou. Transforma-me todas estas intimidades num conjunto de factos sem sentido, adensa-me as loucuras, agiganta-me as dores, mata-me os sonhos e os projectos, esfria-me o calor do conforto que o dia me volta a trazer. O que me vale são as manhãs, de preferência de Inverno, preciso das cores amareladas para sentir a lucidez completa do pulsar do meu sangue. Depois existem determinadas alturas da minha vida em que fico realmente assustada. Disse assustada? Não será bem isso, será eventualmente ocupada e pensativa na busca de uma solução onde se encaixe o que descubro que não me faz sentido. Concluí hoje que necessito de adquirir com urgência um móvel de arrumações gigante, mandado fazer pela medida do infinito, nada que Ikeas do mundo consigam edificar. Milhões de prateleiras, gavetas sem fim, um saco sem fundo onde caberiam todos os factos dignos de esquecimento, mas passíveis de valer para relembrar experiências a não repetir. Disse não repetir? Errado, completamente errado, repetimos sempre os erros até à exaustão do cansaço. Executamos os mesmos passos, proferimos as mesmas palavras, magoamos com os mesmos actos, batemos com a mesma mão. Talvez por isso o mundo não tenha caminho e se salve todos os dias, ao mesmo tempo, numa mesma e única medida. No fundo sabemos perdoar, dizem que foi Deus que nos ensinou. Eu disse Deus? Disse. Disse Deus em nome de uma entidade divina que descobriu a génese da forma da vida. Sem ela, tudo morria demasiado cedo.

4 comentários:

  1. CF
    Belo texto!
    Também para mim a noite nada resolve e só adensa...
    E é verdade, verdadinha, que a tendência natural é repetirmos sempre os mesmos erros, convencidos ou não de que estamos a fazer diferente só porque a circunstância não é a mesma e o objecto também não.
    Há muito que descobri isso, mas só bastante tarde é que percebi as razões!
    Bjo

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    1. Não há como palavras sábias para nos ajudar a compreender o mundo e a nós próprios, e quase me sinto tentada a solicitar as suas conclusões... :)

      Um abraço Helena. E obrigada pelo seu carinho...

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  2. Maravilhoso texto. Benditas manhãs de Outono e/ou Inverno...
    Temos sempre a intenção de não voltar a cometer o mesmo erro, mas ele próprio disfarça-se sob outras formas e quando damos conta estamos a repetir palavras ou acções que juramos a nós mesmos não voltar a fazer. Acho que é porque temos sempre esperança que desta vez é diferente...
    Faz-me lembrar quando acabo de passar a ferro aquele montão de roupa que acumulei durante uma ou duas semanas, digo sempre que foi a última vez, que nunca mais deixo acumular tanta roupa... Quando vou a ver, já passaram mais duas semanas ;) há uma falha qualquer cá por dentro, que nos faz sair do trilho que traçamos... Vá-se lá perceber!
    Beijinho

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    1. Obrigada Anita... :)
      Somos crentes na mudança e na evolução Anita... Julgo que será por aí... Beijinho

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