© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

um dia...

Esperavas-me num restaurante velho de cidade pequena. Olhaste-me com olhos de quem me conhece há muito, um engano carregado de histórias contadas e recontadas, escutadas e escritas por baixo de uma lua que acendia o estranho desejo vadio. Agarraste-me na mão e disseste pouca coisa, centravas os teus olhos nos meus enquanto a comida me escorregava ligeira como um esparguete, a fome era negra, a hora tardia, a pressa chegava, fazia-se madrugada e tanto por contar. Saímos para o frio do Outono e caminhamos num escuro de umas luzes mornas, até ao local onde escondeste tudo quanto tinhas para me dizer. Lembro-me claramente do formato do banco onde nos sentamos. Conheço de cor a disposição do redor e lembro-me das palavras que te saltavam da boca medrosa, crente no ouvido perfeito de uma mulher. Guardaste para ti muito mais do que deverias naquele dia. Levaste o livro que me emprestaste, sem notas, sem novidades, sem discussão de ideias, sem tempo e sem modos, não dispúnhamos de nada disso. Sentimos a promessa do reencontro daqui a horas nenhumas, só assim poderíamos vencer a breve partida. -Tem calma, disse para os dois,- é daqui a pouco... E já está quase na hora de celebrar outra vez. Não sei se te lembras, mas o tempo corre, e nunca mais deixaste a minha mão sozinha. Um dia, caso contigo de vez.