© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A primeira pedra



Já aqui escrevi. Não me peçam para falar de amor. É assunto muito meu, muito diferente do que leio literatura afora. Um fato largo nas mangas e apertado no peito, cujo corte, mesmo feito à medida, nunca me assentará decentemente. E, contudo, mão amiga fez-me lembrar porventura a frase com a qual mais me identifico sobre esta questão.

«Este será o amor que, lutando duramente, agora preparamos: duas solidões que se protegem, se completam, se limitam e se inclinam uma para a outra.» Rainer Maria Rilke in Cartas a Um Jovem Poeta (Briefe an einen jungen Dichter), 1929, publicação póstuma

Parafraseando a famosa frase de Anna Karenina, todos os amores parecem-se iguais, mas cada um deles é igual à sua maneira. O amor é uma experiência solitária, vivida por cada um como a primeira ocasião e o primevo esforço de se encontrar sozinho no lugar mais recôndito da sua existência.
Eis o supremo egoísmo que ninguém quer assumir. Nem atirar a primeira pedra.

10 comentários:

  1. Cada um pode sentir amor à sua maneira mas não deixa de se chamar amor..... Texto muito bonito e sentido XD

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    1. O significante não interessa para nada.
      Obrigado, Marta.

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  2. O maior prazer de estar com quem amo, é meu.
    É egoísmo suficiente? :)

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    1. É :) Tal como só me encontro bem se o outro também se encontrar, só estou feliz se o outro também estiver e por aí fora. É pelo outro que sou egoísta.

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  3. Eu acredito que tudo o que fazemos na vida é uma espécie de preparação para o amor. É por isso que o amor, mais do que uma entrega, é uma possibilidade de aprendizagem. Eu acredito que se aprende a amar, como se aprende a aperfeiçoar todas as outras coisas que fazemos. O amor pode ser uma oportunidade para, em nome e por causa de outra pessoa, amadurecer e alargar horizontes. Pela pessoa amada, queremos ser melhores, porque queremos ser merecedores dela. Se há aqui altruísmo? Não creio. O amor dá-nos a possibilidade de, em primeira linha, firmar e descobrir o nosso mundo. Não chamaria a isso egoísmo, porque é o processo é recíproco. Mas é verdade que o amor é um sentimento solitário. Por vezes, os momentos mais intensamente sentidos no amor são aqueles em que a pessoa amada não está presente. Talvez o amor não nos mude, mas faz-nos querer mudar. Talvez não nos torne melhores, mas faz-nos querer ser melhores, dignos da pessoa que amamos. O amor é uma oportunidade, um “chamamento para longe”, como o próprio Rilke o definiu, um chamamento para além dos nossos limites. Ainda que tenhamos amado várias vezes na vida, cada vez é sempre uma primeira vez. E é sempre infinita enquanto durar, como dizia Vinicius de Moraes.

    Um beijinho, Paulo :)

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    1. O prelúdio do amor está carregado de satisfação própria. Como diz, prepara-nos, ensina-nos, abre-nos horizontes aos quais antes não tínhamos acesso, faz-nos redescobrir, querer mudar, ser melhores. Tudo isso e o seu inverso. Convenhamos que há uma boa dose de egoísmo neste processo, mas sobretudo de solidão que ampara uma outra solidão. Não há verdadeiro altruísmo - essa parte fica para os santos bafejados pela fé. Muitas vezes é um silencioso tiro no escuro...

      Beijinhos, Miss :)

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  4. O amor pressupõe, do meu ponto de vista, uma entrega enquanto individuo,não significando que essa entrega não abrace a solidão. E com isto quero dizer, que ao abraçar a solidão não me isolo necessariamente do meu par. Posso comunicar com ele de diversas formas, sem que minha intimidade seja colocada em causa. Quando duas pessoas se amam, até os seus silêncios falam e a presença de cada um, ainda que repartida, cria a harmonia que se deseja. Será isto uma forma de egoísmo? Quero acreditar que não. Amar o outro não é moldá-lo, mas sim aprender com o que de melhor e pior, cada um acrescenta à relação, e acima de tudo, a aceitar e a preservar a individualidade de cada um dos seres intervenientes.

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    1. Tocou num ponto importante: a partilha. Partilhar pressupõe precisamente enriquecer-nos mutuamente, acontece porém que apenas há comunhão, nunca fusão, e quem fica a "ganhar" é cada um dos dois, quem aprende, se redescobre e pode mudar é um e o outro, logo, e porque assim desejam e anseiam, falamos em dois egoísmos. E há uma abissal diferença entre "egoísmo" e "egocentrismo". O amor pode ser egoísta, mas jamais despreza o outro, muito pelo contrário, alimenta-se do sentimento que nutre pelo outro engrandecendo-o e admirando-o e, com isto, retira tanto a máxima satisfação, como a mais cuidada preocupação. O egoísmo no amor pode não ser altruísta, mas é extremamente atencioso.

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  5. Quando nos namorávamos, vi, com o meu agora ex-marido, um filme tirado de um romance conhecido : Servidão Humana. O amor nesse filme era retratado dum modo unilateral. um homem deixa-se levar pela sua paixão ao ponto de ficar um farrapo humano. Uma das frases que era proferida nesse filme e que o meu ex- repisou várias vezes pela vida fora, ficou-me na memória: Numa relação há um que ama e o outro que se deixa amar. Será?
    Muitas vezes senti que era mesmo isto a que se chamava amor...

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    1. Não creio, Virgínia, ou, pelo menos para mim, não funciona. Podia agora pôr-me a dissertar que quem se deixa amar também acaba por amar - duma forma mais passiva e, talvez por isso, menor. Agora, apesar de não haver "amormómetros", acredito piamente que há sempre um que ama mais do que o outro. Mas só.

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