© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 10 de julho de 2012

Porto abandonado, Porto ferido

[Esta música e as fotos que se seguem transmitem bem melhor o que venho aqui dizer]

Porto Sentido by Rui Veloso on Grooveshark
O que mais me marcou nestes últimos quatro dias no Porto não foi o estado de extrema degradação das belíssimas fachadas dos pequenos e antigos prédios da baixa histórica; não foi a sujidade generalizada que encarde passeios, ruas, vielas e quelhas; não foi a quantidade obscena de pedintes que imploram moedas escuras, da cor dos seus rostos encarvoados pelos escapes de sucatas possantes e desusados carburadores. Tudo isto fica, impressiona, mas infelizmente não distingue esta bela cidade das demais grandes do resto do litoral. As gentes do Porto vão à luta rija, são empreendedoras, dão a cara, compram as maiores brigas, são valentes, invictas. Gente que combateu e venceu invasões napoleónicas; que nunca se subjugou ao poder central retrógrado miguelista; gente que teve como grandes guardiões Alexandre Herculano, António de Aguiar e Almeida Garrett. Gente de coragem, gente do Norte.
O que mais me marcou foi constatar uma crescente emergência de novos pobres pelas ruas. Pessoas envergonhadas pedindo baixinho uma sopa quente, um prato de carne, um chocolate para os filhos, um chupa para o bébé. Gente da minha idade, com a minha cara,  porventura qualificada, que se vê sem mais esperança para subsistir. Que não antecipou uma partida para o estrangeiro e que agora, sem meios, não tem por onde e como fugir. Já nem falo dos velhos enfermos escondidos atrás das persianas semi-abertas de dia e batidas à noite, dos que há muito lhes azulou o tempo da desesperança e, quedos, vão-se deixando ficar – um tecto podre sempre pode cair a qualquer hora. Escrevo de gente que, no auge da sua idade e no cume do desespero, não encontra nesta cidade apoios nas exíguas redes de assistência social existentes, já sem vazão face tão negra e súbita avalanche de pobreza. De pobreza extrema.

11 comentários:

  1. A pobreza é uma coisa muito aflitiva. E existe cada vez mais, ao invés de caminharmos para o inverso. Será que não deveremos concluir que andamos a fazer qualquer coisa mal?? Todos, em sociedade?

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  2. É triste ler uma crónica assim...sobretudo para quem ama o Porto, como se fora de cá desde a nascença- o que é o meu caso.
    Constato o que dizes embora não o sinta tão fremente.A vida dá muitas voltas e há anos que o Norte do país está decadente por falta de interesse do poder central, que nunca olhou para cima do Tejo com olhos de ver.

    Mas felizmente há a Foz, onde hoje passei três horas deliciada...havia gente na praia, que é de todos, velhos , mulheres, crianças, pobres ou ricos...todos têm lugar e o mar abraça-os.

    Bjo

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  3. Ai! Cara Virgínia, em Lisboa, a chamada zona residencial onde vivo, tem a calçada levantada, nunca é lavada, e os buracos são mais do que os do pobre com meias rotas. E no entanto era um bairro fino numa das mais limpas cidades que conheci. E conheço muitas.
    Não sei para onde vai o dinheiro de que a CML dispõe. Mas para reabilitação urbana é que não é...
    Também cá temos o mar até ao Guincho, que retempera e desanuvia. Mas hoje a capital é uma cidade suja, perigosa, e que deixa muito a desejar.
    Também eu adoro o Porto. Do cinzento do céu, do frio nocturno, do mar bravio e das gentes maravilhosas. O problema é mais fundo do que a crise que o país atravessa. Muito mais fundo, infelizmente!

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  4. O Porto está muito mais limpo agora do que era quando vim para cá em 1979. É tudo relativo...
    Quanto aos pobres, talvez estejam mais à vista, confesso que não tenho reparado nisso pois pouco ando pela Ribeira ou mesmo pela Baixa.

    Não gosto do discurso miserabilista, nem do embandeiramento em arco...penso que é uma questão de educaão cívica...enquanto não houver apoio aos Pais para educarem os seus filhos dum modo civilizado, não se pode exigir que em adolescentes e depois em adultos se comportem doutro modo. Há zonas e zonas...aqui há muita mistura, mais do que em Lisboa. Mas lembro-me que mesmo ao lado do belo Restelo onde vivi 20 anos, havia pobreza extrema em Algés, Cruz Quebrada, Jamor, etc. Percorri a Buraca de autocarro muitas vezes, fazia a 2ª circular com o meu Pai para a faculdade e os bairros de lata abundavam....

    As coisas não estão pior, vêm ao de cima em épocas de crise, como esta.

    E o mar ninguém no-lo tira....:)

    Boa noite.

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  5. É verdade, é mesmo um problema de educação. Que compete aos pais, aos estabelecimentos de ensino e, enfim, a todos nós!
    Mas algo terá degradado - pelo menos aqui em baixo -, essa tal educação cívica. Em 1979 Lisboa era uma cidade linda, que tinha, de facto, zonas de extrema pobreza. Hoje essas zonas foram recuperadas e a cidade velha e os seus edifícios, marcantes de uma época, estão muitíssimo degradados. Ou seja, salva-se o que é moderno e abandona-se o que é antigo. Tenho pena, mas é a escolha.
    Quando fiz este comentário apenas pretendi mostrar que não era só o Porto que tinha zonas degradadas. A capital não está melhor!

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  6. Caro Paulo A. L., deixo aqui o meu comentario pela terceira vez e espero que desta vez o publique pq se me excedi antes peco desculpas. Gosto muito deste blog e nao queria ser mal vinda: O Porto esta na mo de baixo ha mto tempo, VNGaia esta muito mais desenvolvida mas bastante mais endividada, mas quando Vc fala de pobreza envergonhada e eu sei que ha muita foi pq as industrias circundantes com baixos ordenados para pessoas tecnicamente superiores e jovens acabadas de tirar especializacoes, mestrados e doutoramentos, pensaram, mal, que iam ter emprego para toda a vida e endividaram-se para comprar casa, carro, mobilia, ferias. anteciparam uma boa vida sacrificando o futuro. Depois perderam o emprego, as empresas faliram, gastaram o subsidio de emprego e nao tentaram novas empresas fora do norte e/ou do pais. eles sao culpados, os patroes ignorantes que tiveram tb, mas quem mais precipitou este abismo foram os exemplos dos governos de Portugal que fartaram-se de viver a custa de credito e do futuro dos seus cidadaos. Disse e desculpe-me o teclado e a minha anterior agressividade. Eu sou portuense, custa-me ver dizer mal da minha cidade, so isso. So quero deixar um beijinho a Doutora Helena sacadura cabral e outro a si, que tem sido minha companhia aqui onde vivo, em Praga.. Marta Menezes

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    1. Cara Marta, beijo aceite e retribuído. Praga é uma cidade lindíssima. Espero que, embora com saudades do Porto e do país, se sinta bem aí!

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  7. Rita Neto Soaresjulho 12, 2012

    Não concordo. O que mais me aflige não são os novos ou menos novos (esses, tendo saúde, que se façam à vida, temos pena!!), mas o mais velhos e totalmente desprotegidos. A esses ninguém lhes vale e esta situação é aviltante num país europeu como se diz do nosso!! Cumprimentos

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  8. António Sousa M.julho 12, 2012

    O senhor já esteve em Setúbal? Em Almada? Montijo? LISBOA?! Desculpe-me, mas as gentes do Porto (como lhes chama....) são historicamente muito mais poupadas e cautelosas que parece fazer crer....

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  9. A CMP é a principal culpada da situação presente dos seus munícipes. Foi exactamente isso que o Paulo quis dizer, correto? Este texto é político, com franqueza.

    JGomes

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  10. Com um governo como o que temos, sinceramente não entendo a admiração!

    Um abraço.

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