© Paulo Abreu e Lima

domingo, 17 de novembro de 2013

várias crónicas, um retrato.

Percebi o porquê da rejeição que senti ao último livro do Miguel Esteves Cardoso: "Como é linda a puta da vida", fala muito da simplicidade do amor. O amor tem potencialidades escritas em forma de verso, na carga do drama e do desgosto, na pele do sofrimento e no corpo da melancolia. O amor escrito elevado ao expoente da tristeza morreu com Shakespeare, no fundo de um poço e há muitos anos, afogado em personagens que sofriam de um mal que governa o mundo, se é que este tem governo. Mora o que resta residente em obras poéticas e em romances de segunda categoria, intercalados por alguns que se destacam por uma qualidade importante, geralmente aplaudida. Mas o amor é de sentir, muito mais do que de escrever, e pode soar a naturalidade excessiva quando descrito em palavras soltas e fáceis que surgem sem critério de arrumação, e que por isso podem parecer uma leitura sensabor, longe de enredos fantásticos. Acho que o MEC não pretende, nunca pretendeu, jamais pretenderá construir uma obra literária galardoada à escala mundial. Não ambiciona galões nem prémios que reconheçam o que traduz em textos puros e límpidos, escritos sem caracteres estudados e repensados, escolhidos e polidos, harmoniosos e cuidados. Talvez seja por isso que sempre apreciei o que escreve. Não há muitos outros que me consigam traduzir o pecado da gula na palavra mais certa, o espírito português na frase mais crua, o poder do amor da forma mais pura, nem que seja com um palavrão forte pelo meio. Ou num princípio de tudo, ou no fim do nome de um livro. Falar de amor e de dor no mesmo texto exige ter sentido as duas. Ninguém fala de amor ou de medo de cor, sem que pela pele tenha passado o rigor do devido peso. E quem sente amor verdadeiro e dor num mesmo corpo e numa mesma direcção, pode fazer um condensado predilecto de um trajecto abençoado. No caminho e quando venceu, num mundo onde existem tantas derrotas. Ele sabe disso e traduz tudo por palavras, sem receio que possa soar mal. Quem não gostar pode sempre não ler, é seguir e deixar ficar.

MEC escreve com prazer, e isso lê-se nas entrelinhas dos textos. Escreve certamente com uma Bic de escrita fina, com uma esferográfica publicitária ou com uma Montblanc de luxo, se esta por acaso calhar ou lhe cruzar os caminhos das praias, da casa, da Maria João ou das mesas portuguesas. Deverá fazê-lo num bloco de apontamentos, numa toalha de papel, numa folha de um jornal ou num caderno personalizado de capa preta. Hajam palavras. E sentimentos. E simplicidade. E quem o leia, que só faz é bem.    

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