© Paulo Abreu e Lima

domingo, 26 de janeiro de 2014

a diferença


No fundo, não amamos todos igual. Não precisamos todos da mesma realidade, é um facto, mas a verdade é que nem sempre se aceitam as diversidades de ânimo suficientemente leve. Ao contrário do que se pode crer, não há necessidade de extrema semelhança para permitir complementaridade. Deixo um simples exemplo. Um ansioso pauta a sua acção subjugado ao controlo da atenção. Insurge-se o medo da perca, claro, comum às neuroses, já há uma perfeita noção e consciência de que o outro pode desaparecer por autodeterminação. O obsessivo, num outro passo neurótico da afectologia genética, mantém o medo: precisa do outro, mas socorre-se da lógica para mantê-lo por perto. Se por um lado o ansioso necessita do controlo, o obsessivo reclama o rigor. O ansioso tenta a todo o custo controlar a proximidade ao nível da atenção, dedica-se, precisa de dedicação. O obsessivo exige que tudo lhe faça sentido, carece de perceber e explicar-se ao infinito por forma a envolver a realidade num casulo controlável, pouco aberto a deambulações. A um falta lógica, ao outro emoção. 

Uma ideia plausível de terminar os desconfortos seria a troca de papéis. Parecia-me extremamente conveniente a possibilidade de inversão, o ansioso perceberia a necessidade do obsessivo, que por sua vez compreenderia a urgência controladora do primeiro. Assim, hipóteses descartadas por comedimentos existenciais, resta-nos imaginar e perceber as alheias precisões. O busílis pode dar-se se em ambos existir desconhecimento verdadeiro do âmago essencial do outro membro do casal. Vencidas essas ignorâncias, resta a fusão: o ansioso dá-se, e recebe o rigoroso sossego do obsessivo. O obsessivo tranquiliza com a rigidez da atenção. 

É coisa para a vida, posso afiançar.

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