© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

até já

Está uma noite de ventos assassinos que perseguem roupas quentes e fortes, demasiado fracas para esta natureza. Insiste na saia curta e aparece cheia de si e com ele, numa esquina escondida por uns prédios altos que abrigam ruelas de calçada agreste e escorregadia. Lá dentro do bar está um calor afrodisíaco regado a absintos azuis que se alojam nos olhos de quem bebe à espera de um riso maior. A vida segue todos os dias desgovernada, é por isso que se despertam vértices de vontades bravias arrumadas em todas as horas de uma semana entregue ao pouco dinheiro, o vagabundo odioso que quase nos transformou em seres desprezíveis e desprovidos de coração verdadeiro. As senhoras envergam vestes justas que auxiliam o corpo a mostrar os encantos numa vénia fácil. Os senhores distraídos sentam-se e conversam dos negócios falidos, dos casamentos arrefecidos e dos amores feridos, nobres clandestinos capazes de manter a restante cadeia emparedada e guardada, sempre prestes a desmoronar. O barman atento distribui pratinhos com salgados que puxam conversa e bebida, e servem ainda o propósito de matar a ausência que acontece em momentos vazios de palavras vãs (os assuntos de interesse duram sempre pouco tempo). Há um senhor no palco que toca como se o mundo à volta tivesse parado. Insiste numas guitarradas acesas que parecem passar ao lado de quem precisa muito mais de dar do que de receber (estão enganados, estão redondamente enganados se pensam que é sempre ao contrário). Dá-se sem necessidade de retribuições forçadas e fantasiosas, e também ele se destila em força e gestos enquanto uns goles de gin lhe devolvem tudo o que precisa de ter. A noite está entrada quando se retiram para um sítio mesmo ao lado. Entram na hesitação do despique e percorrem um corredor sombrio e cinzento que se dirigia perigosamente para o fim resolvido. Olham-se de perto na ânsia da luta entre o pecado e a severa, e eu sei quem ganha, não há que enganar. Um a zero e na próxima jogada não há regras nem apostas. Há o frio da noite, há o corpo dos dois. Até já.

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