Hesito entre falar do trivial ou do excepcional, do banal ou do importante, das coisas pequenas ou das coisas grandes. Há quem diga que a época pede grandes balanços, eu, pela minha parte, contento-me com pequenas conquistas, quotidianos, rotinas que me marcam com um ferro quente. Os sabonetes e as meias que me ofereceram no Natal, por exemplo, são motivo de análise profunda, de deambulação interna intensiva, de afeição e gratidão. Não preciso que o sapato do pai Natal traga o que não me faz falta, e um sinal de ternura cabe perfeitamente no conforto de uma peúga, no odor floral de um sabonete, na simplicidade de um sorriso por si só, desprovido de bens ou adornos à superfície. Também tenho estado especialmente atenta aos sinas de contentamento. A felicidade afigura-se como uma grandeza um tanto ou quanto paradoxal, contrária ao sentido de evolução da humanidade. Tendemos a progredir em diversos sentidos e a apreciar cada vez menos o que nos faz realmente bem, chamaria a este fenómeno qualquer coisa como ignorância erudita, mas não sei se será verdadeiramente adequado. O Papa Francisco, esse sim, parece-me um verdadeiro erudito, e não posso deixar de falar nele neste final de ano. A igreja carecia de uma revolução, e sinto cada vez mais que está no caminho de a alcançar. Nunca nenhum outro me apelou tanto ao amor como este, e o mundo, este lugar empedernido, carece estupidamente de amor. Felizmente consigo vê-lo. Consigo cheirá-lo nas minhas mãos quando agarro no meu filho, consigo olhá-lo no júbilo do meu sobrinho quando encontra o colo da mãe, consigo apalpá-lo quando fecho os olhos e o construo internamente numa dimensão alternativa, ainda ontem, por exemplo, na adega morta da minha casa. E sossego, fico muito sossegada quando falo assim e tudo me parece mais fácil do que é na realidade. Acabo por aninhar-me no encosto desta visão nublada, por enrolar-me como um animal adormecido, por beber com avidez uma água benta que não me abençoa, não consigo proteger-me por muito tempo com esta ilusão fantasiosa. A verdade é que não há nada mais fácil de desencadear no mundo do que o ódio, nem há tiro mais certeiro do que o do rancor. É fácil de perceber, parece-me, para amar é preciso trabalhar e ir em direcção, tarefa penosa, árdua, difícil. Tudo o resto é no mínimo mais ligeiro, mais individual, eventualmente muito mais satisfatório. Não me espanta, nem sequer me decepciona. A preocupação que me deixa é também uma caso secundário. O que me inquieta, o que verdadeiramente me incomoda, é o futuro do mundo entregue à natureza humana, pouco hábil nos afectos. Deixaremos à geração dos nossos filhos um osso duríssimo de roer, não esquecendo que os cientistas dizem que daqui a nada teremos menos um dente.
É sempre tão certeira. Um bom ano para si.
ResponderEliminarIgualmente Mãe Sabichona. Desejo-lhe um ano com muito amor...
EliminarCoitados...nem com os dentes todos quanto mais com menos um. 😊
ResponderEliminarAproveito para desejar a si e ao Paulo um novo ano com Muito Amor.
Não haverá dentes que os salvem, Maria João... :)
EliminarMuito obrigada. Igualmente para si...