© Paulo Abreu e Lima

domingo, 14 de agosto de 2016

Amar não é bem isso


Desde o início do século XIX, no auge do Romantismo, o Amor é retratado como uma espécie de fenómeno paranormal, uma percepção alternativa de consciência, onde ciprestes, álamos e heras de Herculano emolduram uma atmosfera fantástica e lúgubre. Uma fatalidade com pozinhos de pirlimpimpim. Onde a Joaninha dos olhos verdes, menina dos rouxinóis de Garrett, enlouquece por amor e morre. Anjinhos ao céu. Onde o Amor de Perdição itera a tragédia de Romeu e Julieta; Eduarda e Carlos soçobram na consanguinidade e, a mulher, agora balzaquiana, descobre, enfim, os açúcares da carne. Da alma ao corpo, o amor foi sucumbindo ao secretismo da experiência do achado, à ebriedade da comoção, ao plano mais alto da overdose da existência, como forma edílica de fuga das vicissitudes do cinzentismo quotidiano. Da experimentação provém a idealização e desta a sublimação. Nunca constando que o percurso seria porventura inverso. Em boa verdade, nunca coube ao Romantismo desmitificar o segredo. Afinal foi dele que se alimentou e perdurou como mantra pelos suceptíveis da vida. Felizmente os estilos foram evoluindo. Só podia, há muito pouco de romântico no amor; a estética, como fonte dos sentidos, não é só bela, nem fatídica, percorre a paleta de cores e cheiros mais comuns. Nela, há troca de suores e ranhos, há pêlos nos sovacos, esperma na boca e nos olhos, formigas na cozinha, remelas, urina e excrementos. Há palavrões, lágrimas e filhos-da-putice, há guerras intestinas, escombros e batalhas de Pirro. Há tudo, humano e desumano, cuidado e descuido, construção e destruição, cumplicidade e competição. Tudo, menos placidez. Mentira, no fim, não sobra água para sorver.