© Paulo Abreu e Lima

sábado, 1 de outubro de 2011

Afinal quem era mesmo a legítima de Rodin: Camille ou Rose...?



A cultura não deve ser entendida como um interminável número de arquivos encarrilados em direcção ao mais sumptuoso dos destinos; nem como uma infindável escada em que cada um se coteja em cima do outro; ou, ainda, arma de subjugação para infirmar complexos de inferioridade mal tratados. Cultura é assentar em seguros carris que nos levam ao lugar mais aprazível; é a firme mas irregular escada que nos incita a olhar com mais cuidado para o chão; ou, principalmente, expediente necessário, mas não suficiente, em presentear com bonomia e simplicidade todo o nosso quotidiano.

Em Meia-noite em Paris, Woody Allen parece querer vincar muito bem esta dicotomia. Entre o que se almeja ser e o que realmente se é, ou entre o pseudo-intelectualismo pédant (na voz da guia Sarkozy) e o singelo prazer de "andar à chuva".

Os loucos anos vinte em Rive Gauche ao seu melhor estilo bobo (bourgeois-bohème) são muito bem recriados, quer nos ambientes, quer nas inacreditáveis personagens que confluíam para Paris: Zelda e Scott Fitzgerald , Cole Porter e Hemingway. Todos expatriados norte-americanos pertencentes à "Geração perdida", nas palavras de Gertrude Stein. Estas são as primeiras, mas muitas mais celebridades se seguirão (tal como as mais descaradas e subtis referências às suas obras): Picasso, Modigliani, Matisse, Bruñuel etc. Uma menção especial para Dalí (interpretado por um fabuloso Adrien Brody), até porque fica explicado o Rinoceronte vestido con puntillas

Este realismo fantástico que lembra Rosa púrpura do Cairo e esta homenagem a Paris que nos remete para Manhattan, fazem deste filme a mais bem conseguida obra desde o seu único drama, Match Point. Woody Allen está mais doce e mais romântico, mas não deixou aquela pitada de humor ácido que não contemporiza com cinismos petulantes da nossa época e, acima de tudo, da sua América. Entretanto até parece que lançou mais uma diva em jeito de cliché: Léa Seydoux. Não há-de Scarlett atirar mais fotos suas nua para a net…

11 comentários:

  1. Sim, senhor, uma crítica bem mais interessante do que a do Publico....e outras que li. Escreves muito bem e analisas o filme dum modo culturalmente superior.
    Compreendo que tenhas gostado do filme.
    Já fiz a minha no meu blogue, penso que a reconstituição é fabulosa e a interpretação das figuras históricas, fraca a interpretação da família americana, tão cliché, tão irritante que soa a falso.

    Bom fim de semana! Sem dores....

    Bjo

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  2. Oh, Virgínia, que exagero o seu! O texto estava cheio de gralhas (nunca faço rascunho) e às tantas o pseudo-intelectual de pacotilha sebenta sou eu :)

    Apenas gostei do filme. Não é necessário saber todas as obras dos visados autores, porque este filme não é para intelectuais mesmo, mas para quem saiba um pouco de cada um. A referêncoa ao Anjo exterminador de Buñuel não é deliciosa...? :)

    Obrigado pelas suas sempre gentis palavras. Bjo, Paulo

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  3. Achei piada às referências, muitas delas sobre autores que estudei em Lit. Americana, uma cadeira que adorei na FLUP.

    É raro ver críticas que me agradem, em geral são sempre esotéricas ou a malhar em filmes simples...nunca sigo as opiniões , nem as estrelinhas do publico...há filmes que gosto de ver, mesmo que não me agradem a 100%. Estou um pouco cansada de filmes americanos e agora pendo muito para os franceses.

    Vou ver Howl, é uma época que me atrai, a Beat generation, muito falei sobre ela aos meus alunos....

    Bom Domingo!

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  4. Com que então a Virgínia gosta dos beatniks e da contracultura norte-americana... Howl é uma obra de Allen Ginsberg, há filme...?! MeuDeus!, ando mesmo out!

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  5. Sim, já li umas criticas... aqui em lisboa só está n'El Corte Inglés. Parece que temos de ter a obra na ponta da língua para perceber na íntegra o filme.

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  6. Caro Paulo
    Boa crítica, de facto.
    Para mim Match Point continua a ter um lugar capital na minha "adoração" por Woody Allen, um dos cineastas americanos que mais admiro.

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  7. Amiga Helena,

    Concordo consigo, Match Point foi quanto a mim o único Drama de Allen. O argumento foi de tal forma bem conseguido, que consegui defender ad nauseam o criminoso! Mais: fez com que o público se reveja nele não pelo acto, mas pela circunstância. E mais um hino... a Londres.

    Abraço amigo,
    Paulo

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  8. Ai, caro Paulo, os "pecados" do coração raramente são crimes. Porque, muitas vezes, a diferença de timings é que está na sua origem.
    Quem não compreender isto está, a meu ver, mal preparado para o amor e para pagar o preço que ele sempre acaba por ter. Porque o único amor gratuito é o dos pais pelos filhos.
    Em Match Point a cena final da aliança a rolar é magistral!

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  9. Quanto à aliança, ia dizer o nome inverso de um blogue que muito aprecio em jeito de resposta: é a hora [circunatância] que marca o destino e não como diz a letra do fado.

    Bom, já vi que, como eu, gosta mesmo do Woody... :)

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  10. Paulamigo

    Confesso: faço parte do gangue prowoody, pelo que posso ser considerado suspeito e, ainda por cima, reincidente.

    O teu retrato do Meia-noite em Paris está e=x=c=e=l=e=n=t=e. Concordo plenamente com a Virgínia (que não conheço, mas quero conhecer).

    Por isso, convido os dois a visitarem os meus
    http://aminhatravessadoferreira.blogspot.com e
    http://politicaoupulhitica.blogspot.com

    Muito obrigado

    Uma única nota: entre todos, o Salvador Dali é um espantoooo, como diz o Jô Soares.

    Abç

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  11. Paulo, Sou prima do Henrique Ferreira, que é teu amigo, só que já saí de Lx m 1975 e ele já não me conhece por este apelid.o...:)))

    Já he escrevi para o blogue dele...as coincidencias são interessantes! Diria woodyallenlike!!!

    Bjo

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