© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

sem agitações

Mal foi conhecido o galardão, voz amiga aconselhou-me a ler. Comprei e li cerca de pouco mais de metade das 152 páginas. Insistiram para que acabasse de ler o resto, mas perdi o interesse. Não será exactamente esta a expressão, mas é comum começarmos por ler as primeiras cinquenta páginas de uma só vez, desejando que o romance nos prenda algures por aí. Ora, eu li quase 90 e, preso, saltei fora. Um mês depois, talvez porque já tenha acumulado vários abandonos ao longo da vida, não quis subsistir na prática e voltei a pegá-lo no meio da pilha de mortos-vivos que teimosamente mantenho na mesinha de cabeceira. Conclui-lo foi idêntico ao que se faz quando sabemos todas as respostas de um quiz e apenas confirmamos as soluções invertidas na última página. E estavam todas certas.

The Sense of an Ending (o Sentido do Fim), de Julian Barnes, vencedor do Man Booker Prize 2011, é intuitivo nas diferentes lógicas de tempo narrativo e, embora o protagonista idolatre o raciocínio filosófico do amigo, prevalece um certo tipo de memória sensitiva axiomática que velozmente nos remete para o próprio sentido do desenlace. A obsessiva paranóia pelo passado não pode ser confundida com o autor de Papagaio de Flaubert. Esta, sim, uma grande obra, que Madame Bovary – ou o próprio Gustave Flaubert – não veria melindre em causa própria. Embora nela eu não soubesse as respostas e tivesse então de completar a leitura.

14 comentários:

  1. Compreendo o uso dessa expressão "mortos-vivos"...é mesmo deliciosa. Dantes lia de fio a pavio e raro era deixar livros a meio. Há uns dez anos que é o contrário. Até tenho medo de comprar livros, pois já sei que irão para a colecção dos que talvez acabe um dia....quando já não tiver mesmo mais nada que fazer...

    Mas muito li na minha juventude e já adulta. Muitos clássicos como esse que tu citas e que me marcaram. Mas ler a sério já não...prefiro biografias, entrevistas como este Conversations with David Hockney, que nos dão uma visão individual de um artista sobre o mundo.

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  2. De facto, no capítulo romance/ficção a coisa anda preta. Nos últimos tempos li duas grandes biografias, a de Churchill e a de Salazar. Se no primeiro caso foi pelo homem, já no segundo foi para obter mais conhecimento do Estado Novo. Mas levam tempo e são calhamaços de letra pequena :)
    Agora a sério, há que ter cuidado com o marketing das editoras... e reler também é interessante! Olhe, poesia.

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  3. Paulo querido, tenho a sensação que andamos numa entressafra de bons romances e ficções. Isso tem acontecido comigo por aqui também.
    E mesmo adorando livros ando deixando-os abandonados...
    Um beijinho

    Lucia

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    1. Amiga Lucia,

      Então não é que foi preciso chegar uma brasileira nascida nos Estados Unidos para escrever uma das palavras mais poéticas da língua portuguesa: "entressafra". Entressafras vamo-nos alimentando de colheitas passadas com a renovada esperança que a próxima colheita seja sempre melhor.

      Bjos

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  4. Paulo,

    Não li e, como há tempos expliquei lá no meu canto, sou tão avessa a modas que basta ser um best seller e toda a gente recomendar, para eu ficar logo de pé atrás. Mas se estou aqui a comentar é porque gostei da forma como descreveu o lê-não-lê, como relacionou abandonos e desistências e pela forma, sempre elegante, como escreve.

    Dois pares e meio de asas, sem dúvida, Paulo.

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    1. Amiga Tá,

      Não desaconselho de todo a obra. No meu caso, parecia contudo que já sabia o fim. E foi verdade. Quanto a desistências e abandonos, não é letal mas conveniente escolher as certas dintinguindo as erradas. E quando à elegância, garanto-lhe que já fui mais. Agora é mais preto no branco ou, neste caso, branco no fundo preto.

      Um beijinho amigo.

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  5. Paulo
    Tenho-o nas mãos. Ao livro, claro...
    Mexo-lhe. Folhei-o. Não há palavra que me prenda. Recoloco-o na mesa de cabeceira. Talvez amanhã. Ou talvez não.
    Olho de novo para ele e não me apetece. Logo eu, que tanto gosto do autor.
    Mas creio que não é apenas com os livros. É também com as pessoas.
    Umas merecem o nosso precioso tempo. Outras precisam dele.
    Umas apetecem-me. Outras não.

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    1. Queida Helena,

      A sua resposta é poética. E sobre este mesmo tema, já lhe escrevi no seu Fio de Prumo.
      E não tenha a menor dúvida que me tem nas suas mãos, em excelentes mãos, diga-se.

      Abreijos

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  6. Quando há a necessidade de se continuar... é porque estamos no caminho certo.

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    1. Caríssimo mfc,

      Também acho. Em grande parte das vezes...
      Abraço

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  7. Há tanto onde prender o olhar.
    Se algumas palavras voam...deixá-las voar.

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  8. De facto, Filipa. Na maior parte das vezes, as melhores vêm ter connosco sem pedir sequer licença. Só porque sim, se afeiçoam em nós e nós nelas...

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  9. Há obras e pessoas galardoadas, que merecem muito mais atenção do que têm. Eu que o diga.

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