© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Alesandra

Devia ter uns 20 anos, acabara a licenciatura e preparava-me para o MBA. Precisava de fazer uns testes de inglês, o TOEFL, e entusiasmava-me a ideia de prepará-los com uma londrina, nascida em Johannesburg, que não falava um olaré de Português. Talvez já tenha escrito, mas sempre me seduziram mulheres maduras (nem todas, muitas expiram verdes), experientes e tolerantes para com meninos petulantes e convencidos. Como eu era. Aliás, se há idade para ser-se convencido, impiedoso e, lá está, petulante, será por aí, pelos 20 – antes disso passaríamos por parvos e depois,  por estúpidos.

Alesandra tinha 25 anos de corpo e 35 de cabeça. Loirinha, branquinha, olhos castanho-clarinhos hazel, era uma activa contestatária do regime do apartheid e, sempre que surtia ensejo durante a docência, arrasava o malfadado regime segregativo, atentatório dos direitos humanos, encabeçado à altura por Pieter Botha. Já eu, sempre que surtia ensejo (convencido, impiedoso e petulante), permanecia mais militante no fervor da curvatura da barriga da sua perna por debaixo da mesa, desafiando o frenesim do toque fortuito.

Tínhamos quatro semanas para preparar os testes e à terceira, já balanceados, Alesandra interrompe abruptamente a explicação. Tudo certo, esperava mais uma dissertação sobre a distribuição geográfica das tribos Zulus e da sua influência nos bantustões:
- Paulo!
- Sim…
- Se uma pessoa está interessada em alguém, não perde nada em lho dizer, não achas?

Era Verão, uma vaga de calor tinha baixado sobre a cidade. Ora, um ataque de rubor na face de um bantu seria coisa despicienda, quando muito dilataria os vasos oculares e o semblante manter-se-ia impávido ou pouco mais vivo. Já se seguido de suores em cascata pela testa e fronte, era a morte do preto. Claro que estou a ser politicamente incorrecto: Alesandra estimava bantus, logo, quem se viu a titubear gaguejos foi aqui o caucasiano:
- Sim, claro, claro… não se perde nada em dizer…

Alesandra era uma mulher madura, sensata e tolerante. Há uns meses encontrei-a no FB (zero amigos em comum), mas nunca a perdi da memória. Ensinou-me muitas coisas. Uma das mais importantes foi que não existe frontalidade sem condescendência. Outra, que não se perde alguém que nunca tenha sido nosso. Ela foi minha. E, como na maioria das minhas memórias, orgulho-me disso.

14 comentários:

  1. Gostei muito. Ah, a nostalgia...

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    1. Olá, IS.
      Obrigado. Mas olhe que não é bem nostalgia, é mais memória. Boa memória. :)

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  2. Gosto dessa do não perdermos nada que não tenha sido nosso. É relativo, claro, que de nosso temos normalmente pouquita coisa. Nada a ver com a Alesandra, claro, que foi obviamente tua :)

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    1. Ora, ora, Carla, de nosso temos tudo! Basta acreditar, ou exercer autoconvencimento... A frase é retórica: na verdade não temos nada, nem o nosso corpo. Já a memória é toda nossa :)

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  3. Se não te conhecesse, comprava-te:)))

    Grande história, devias imitar o Nicholas Spark!!! ( esta foi mazinha, eu sei!!)

    Boa noite. Sonha com a Alex!

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    1. Não me precisava comprar: a si, me oferecia :)) Mas como me conhece, sabe muito bem que o Nicholas Sparks é um embuste. Já as minhas histórias são verdadeiras (nomes falsos). Era só o que mais me faltava do que adormecer com o passado. Vivo o presente e arrisco um pouquinho de futuro...
      Bjs,
      paulo

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  4. Este post recordou-me uma citação que diz algo do género "Quando amadurecemos,a palavra Ser,é mais importante do que o Ter. A vida nos ensina ao longo dos anos, que só somos o que fizemos de nós, e nada do que tivemos nos deu mais
    do que o que fomos." Sendo que a petulância ficou para lá, antes dos 20, vamos então concluir que somos tudo o que fomos até hoje e nada temos que nos faça mais do que isso :)
    Votos de uma óptima terça feira :)

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    1. Olá, Anita.
      O seu raciocínio parece-me interessante e até posso concordar. Às tantas, vividos uns anos, Ter ou Ser não carecem de distrinça; ambos fundem-se na memória. Eu tenho o que vivi e sou o que aprendi, eu sou o que vivi e tenho o que aprendi. Não lhe parece aceitável...? Claro que a possessão é recriada, mas o que somos também não passa de uma representação. O que interessa mesmo? Ora, o que interessa é a satisfação pessoal - muitos chamam-lhe de felicidade :)

      Excelente terça-feira para si também!

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  5. Agora a sério.

    Há momentos da vida em que temos o Rei na Barriga. Os ingleses usam uma expressão fantástica: the World is your Oyster.
    Também me "apaixonei" por um prof de Inglês da FLUL a tal ponto que me inscrevi no Proficiency do Britanico só para ter aulas co ele. Só olhar para aquele rosto tão perfeito durante hora e meia era uma benesse....como no Morte em Veneza....amor ao longe, as atracção física pura... vale a pena guardar esses momentos no baú das memórias para ter a certeza de que hier encore j'avais vingt ans!

    Querido Paulo, adoro a tua maneira de escrever e penso a sério que darias um óptimo cronista - tipo Esteves Cardoso - daqueles que se lêem por prazer....

    Boa semana!

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    1. Amiga Virgínia, eu sei que por "maldades" passadas mereço a antecâmara do Inferno, mas essa de primeiro me comparar com Nicholas Sparks já é uma ligeira ofensa mas depois com o MEC (o fabulástico Escritor!) é sacrilégio! Como dizem os brasileiros, 'tá xingando minha cara? :)

      Bjos,
      paulo

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  6. A vida modera-nos... mas os nossos excessos fazem-nos sorrir!

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    1. Principalmente no seu tempo, no tempo de os fazer.
      Abraço, Manuel!

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  7. Meu caro Paulo, gosto muito de o ler e este é um belo texto. A vida vai, pianinho, ensinando a viver. Mas nem sempre é verdade que nunca perdemos aquilo que não tivemos. Perdemos sim. Por não ter tido, mas sobretudo, por não termos sido capazes de ter...
    Quantas coisas já perdi assim e quantas já não ganhei por me recusar a perder. A lot, my friend!

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    1. Amiga Helena, como sabe, reflicto sempre sobre o que (me) diz, mas de uma coisa tenho quase a certeza: nem todos crescem e amadurecem ao longo da vida, muitos expiram mais verdes do que começaram, e nem sempre por falta de sageza. O nosso próprio crivo, a miúde, trai-nos...

      Abreijos amigos,
      paulo

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