© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Fica bem mal

Há mais de vinte e cinco anos, surgiu uma expressão, entre gente dos vinte, trinta, que rápido pegou moda: "Fica bem!". A primeira vez que a ouvi foi à saída do velhinho Kremlin, dita pelo segurança conhecido. A coisa soou mal; conjugava três presunções em apenas duas palavras. Primeiro, a forma imperativa: ele mandava-me ficar bem, uma ordem que pretendia vir de cima, de quem pode decidir por mim e em que registo pessoal deveria eu ficar. Segundo, segunda pessoa do singular: tu. O que pressupõe, ou vindica, proximidade, enfatizando a ordem. Terceiro, subliminarmente, parte do princípio de que não nos encontramos bem, estamos mal, logo há que mudar o termo das coisas, ordenando, sob comando, que alteremos estados de alma.

Como já disse, a petulância naquela idade é – e deverá sempre ser – consentida. Acredito mesmo que acresce charme à menina alta, bonita e descomplexada que sopra um "fica bem...". Dá-lhe piada, atrevimento, entre outras coisas que me abstenho de escrever. Ao menino gingão, porventura, também. Ao grande Raul Solnado, a variante «Façam o favor de ser felizes» traduz a estatura de grande ser humano que foi e, aqui, a introdução d’«o favor» anula a ordem e liquefaz-se em pedido e em desejo. É um querer bem pela nossa saudinha. Por todos nós.

Depois foi o descalabro. Foi toda a gente a parafraseá-lo ou, muito pior, a perifraseá-lo, enovelando-se em vetustas concordâncias be happy! Pela Santinha, eu ainda não sei se quero ter um fim-de-semana descansado, feliz, licoroso ou espalhafatoso! Hoje, por exemplo, quero estar triste. E ai de quem me indicar o caminho da felicidade. Ficaria bem mal. E mau.

16 comentários:

  1. RIP

    Preferes? :)))

    Dorme bem sem fantasmas!
    Bjo

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  2. Belo texto.
    Tem toda a razão. Às vezes, a gente quer estar triste. E tem esse direito!
    Porque um e outro caso - estar contente ou estar triste -, são direitos. Não são deveres.
    Os "outros" é que têm a obrigação, o dever, de nos não tornar infelizes...

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    1. Belo comentário.
      O que me irrita mesmo é a altivez (soberba?) com que estas "ordens" são lançadas.
      É caso para responder com um %#&$£§... :-)

      Abreijos,

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  3. A tristeza raramente é bem vista. Uma pena de facto, por vezes faz-nos tanta falta...

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    1. Faz. Mas o que nos faz falta mesmo é não ouvir sugestões sobre como devemos ficar. Já basta as que ouvimos e temos que acatar... :)

      Bjinho,

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  4. Boa noite, Paulo Abreu Lima. Gostei muito desta abordagem. De facto há pessoas que só querem mostrar superioridade emocional quando nos 'mandam' ser felizes. Mas há 'ordens piores.. Estou em lisboa esta semana, abespinha-se muito se o convidar para um café?... :D Com admiração, Marta Menezes

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    1. Marta,
      Primeiro trate-me por Paulo; segundo, obrigado, também acho que há coisas piores. Terceiro, não me abespinho, mas se for ao meu perfil tem um e-mail. Por mero acaso é o meu... :)

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    2. ahahahah não tinha reparado... isso é um sim? XD

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    3. Não.

      Isto aqui ainda não é o FB. Sei que é do Porto, que trabalha na República Checa e, ao que diz, está em Lisboa. De resto, não a conheço de lado algum (nem parece que me conheça) e não ando a tomar o que quer que seja com pessoas que desconheço. Mande-me um e-mail, caso queira se apresentar melhor. Grato pela visita.

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  5. :) Tudo o que soa a ordem soa mal, não é?:)
    (Cheguei aqui via Uma Mulher não Chora)

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    1. Olá, Fátima! Vem de um blogue muito especial, logo é muito bem vinda :)
      Nem tudo o que nos é ordenado soa mal - vivemos numa sociedade hierarquizada e mais ou menos organizada. Agora, não me venham dizer como é que hei-de andar...

      Já vi que é de Aveiro (belíssima cidade) e com mais calma vou ver o seu blogue. Grato pela visita.

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  6. Estas questões das expressões que se utilizam é, para mim, fascinante. Gostei mmuito do seu texto, como em geral costumo gostar dos comentários que faz no "nosso" Fio de Prumo, da querida Helena. E pronto! Já o adicionei aos meus favoritos... :)
    Isabel Mouzinho

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    1. Muito obrigado, Isabel.
      Também está adicionada à lista de leituras deste blog :)

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