© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Curso? Gestão de Recursos Imateriais Recicláveis

Há mais de vinte anos, quando ainda tirava a licenciatura, já verificava que havia um enorme desfasamento entre as universidades portuguesas e os empregadores. As primeiras, mormente com o surgimento das privadas, inventavam novos cursos, novos currículos, novas cargas teóricas; os segundos almejavam e prosseguiam a prosperidade e a subsistência em concorrência protegida. Ambos, de costas permanentemente voltadas, envolviam-se em provincianos complexos de superioridade: as universidades arrogavam-se como únicos núcleos privilegiados de conhecimento, em que lançar licenciados, mestres e doutores pela porta fora era o único e último desiderato; as empresas, criam-se a "verdadeira escola da vida", privilegiando a experiência e o know-how e diabolizando e despeitando o conhecimento teórico. Em grande medida, hoje em dia, este divórcio permanece teimoso nos cérebros das referidas entidades: um recém-licenciado não tem experiência profissional; o empreendedor/empresário desvirtuou (ou simplesmente não tem) a teoria na ponta da língua. Malgrado todos os esforços, através de intercâmbios, colaborações e projectos, no sentido contrário.

 Aos que procuram o primeiro emprego foi-lhes sistematicamente vendida a ideia de que o canudo era uma espécie de salvo-conduto para a entrada no mercado de trabalho. Mesmo que nele constasse um diploma em Gestão de Recursos Imateriais Recicláveis. Mas mais. Em muitas faculdades, a única saída profissional seria sempre assegurada pelo Estado. Um exemplo? Professor. Ao terceiro ano de faculdade, a par das explicações que dava, concorri para professor em três disciplinas (Matemática, Economia e História) e fui admitido em cinco liceus no distrito de Lisboa (só não exerci porque entretanto a minha vida seguiu outro caminho)! Não sou contra quem queira obter uma licenciatura, custe o que custar (desde que estude, já agora), na área de conhecimento mais exótica, mas que ninguém espere emprego pela simples apresentação do diploma e que, muito menos, o Estado (falido ou pujante), em última instância, tenha o dever de o assegurar. É a geração mais bem preparada de sempre? Fácil, há vinte anos qualquer licenciado era um doutor. É a que mais sofre com este desemprego estrutural? Chato, há excesso de habitações, estradas e rotundas para mais engenheiros e arquitectos, e demasiados bancos, seguradoras e consultoras para mais gestores e economistas.

O agora "embaixador" do programa Impulso Jovem, Miguel Gonçalves, tem basicamente dois grandes defeitos. Aquela pronúncia de Monção (solúvel) e o padrinho que o encontrou. De resto, é bem capaz de ser um bom exemplo de empreendedorismo para muitos jovens (e menos jovens), num país de rabos gordos adoçados pela tristeza de viver à conta e por conta dos pais e dos avôs, ou dos subsídios, tanto faz. E pena, pena, tenho eu dos nossos velhinhos, incapazes de ir a tantos concertos de Verão. Com franqueza!

16 comentários:

  1. O Miguel Gonçalves tem uma ideia de base com alguma consistência. Já ouvi o que tem para dizer, acho que não está totalmente desprovido de razão. Perde pela excessiva alienação no espirito positivo, que vale, claro, mas não é tudo. Antes fosse, ou pelo menos antes fosse mais... De qualquer forma, é sempre bom quando alguém chama a atenção para alguns factos como os que referes. Há muita gente a viver assim, à espera que o mundo lhe caia ao colo. Penso que deverá ser isso o que se deve reter do que apregoa. Independentemente da pronúncia, do excesso, e do recém demitido padrinho... :) Este sim, o verdadeiro espírito do positivismo: Aproveitar o que é bom, esquecermos o resto.

    Beijos.

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    1. O homem anda nas bocas do mundo por razões acessórias: estilo eléctrico, retórica anglicista misturada com provérbios matarruanos e sotaque minhoto. Nada do que quer transmitir é errado. E há tantos que precisam de ouvir exactamente aquilo... Depois, não é só conversa: já angariou muitos empregos juntando empresários com candidatos. Não vou pelo espírito IURD da coisa e muito menos pela cultura "Cerelac"...

      Bjos

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  2. Sim e não, Paulo! Concordo consigo a cem por cento na claríssima e detalhada explicação que faz relativamente ao "divórcio" entre o conhecimento académico e o mundo do trabalho e na ideia, muito instalada entre nós, do emprego garantido após uma qualquer formação superior ser um direito, que tem que estar obrigatoriamente assegurado.
    Mas, em relação ao último parágrafo, já não consigo ter a mesma opinião, apesar de achar que o empreendedorismo e a iniciativa são muito louváveis e fundamentais e que o que falta, hoje, a muitos jovens (não a todos, felizmente) é essa capacidade de se adaptar e de se "fazer à vida", sem esperar que o Estado, ou alguém, lhes resolva a vida.
    O problema deste "embaixador", para mim, não é a sua pronúncia de Monção; é sobretudo fazer passar uma certa ideia de "chico-espertismo", que faz escola entre nós, de "self made man" feito à pressa, de hiperactivozinho irritante e cheio de lábia, que acha isso é muito mais importante que qualquer tipo de formação e de conhecimento e que, talvez por isso, diz: "eu entretia-me" e "houveram outros critérios" sem se preocupar.
    É isso que me parece um pouco perverso no seu "Impulso Jovem".

    Acho que exagerei no tamanho deste comentário. Peço desculpa, Paulo! :P

    Beijinho :)

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    1. Exagerou nada, Isabel. O indivíduo é somente um pretexto: muitos jovens limitam-se mesmo a enviar 200 mails por dia para as empresas e, simplesmente, ficam à espera. Mesmo quando vão a uma entrevista, põem-se numa posição passiva do género "o que será que me podem oferecer" e não "o que vocês podem ganhar se me contratarem". O vinco é puramente europeu, em que são os outros que têm de resolver os nossos problemas. Nos EUA o espírito é completamente diferente e as transferências de emprego são vertiginosas. Quanto ao estilo do moço: entre a forma e o conteúdo, prefiro o segundo. Sem ofensa, ele saiu de Monção, mas Monção não saiu dele...

      Beijinho:)

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  3. Assino por baixo no que as universidades e empresas diz respeito, mas felizmente as coisas mudaram bastante de há uns anos para cá. Verifico em relação ao meu filho que está no empreendedorismo com relativo sucesso e é , para alem disso professor da FEUP, que já há sinais de progresso, ainda que ténues e muito apoiados em pessoas, que como ele se dedicam de alma e coração à investigação e à divulgação das suas descobertas. Em qualquer outro país teriam muito mais apoio - nos EUA, por exemplo - mas aqui é preciso uma tenacidade, disponibilidade e inteligência, que me todos têm. E o curso da faculdade é nada....tive mais de 50 estagiários e muitos não tinham as qualidades necessárias para serem bons professores, mas o Estado deu-lhes guarida, que agora lhes vai tirar, justa ou injustamente.

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    1. Lembrei-me do seu filho enquanto escrevia este post. O projecto em que está inserido é do mais sério e pertinente do pouco que se vai fazendo em Portugal nesta área. Mas é precisamente aqui, nesta sólida interligação, que o país pode modernizar-se e crescer. Conhecimento nas empresas e experiência nas universidades. Estas parcerias são muito visíveis, por exemplo, num sector como a agricultura, severamente estigmatizado, quer pela faixa etária, quer pelas fracas qualificações dos empreendedores. Mas está a mudar. Li algures que Portugal foi no ano transacto o segundo país com maior produtividade por hectare (depois dos EUA). Quem diria, hein?

      Bjos

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  4. O mal, parece-me, é outro. Toda a gente pode ter sucesso, com curso ou sem ele. Precisa é de ter ética e capacidade de aprender com gosto. Para ter um trabalho.
    Para ter uma profissão julgo que necessitará de algo mais, nomeadamente uma preparação específica ao seu exercício. O que significa conhecimento teórico e experiência prática.
    Será que o jovem "embaixador tem ambas"? Se sim, óptimo. Se não, o youtube não será adubo que chegue para a tarefa!

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    1. Helena,

      Este post não pretende de todo a defesa do "embaixador". Investiguei somente o que surge na net e as reacções à sua nomeação. E constatei muito preconceito: pela forma como se exprime, pelo visual escolhido e outras minudências de forma. Quanto ao que transmite, no essencial, ninguém o contradiz (às vezes brincam com as pipocas), porque o que "apregoa" é pura e simplesmente verdade. A geração do meu pai, por exemplo, também teve de "se fazer à vida"; lutou e conquistou. Com ética? Ninguém consegue ganhar credibilidade, através de brio profissional, perante toda a gente e durante todo o tempo, sem ética.
      Sem generalizações, como é óbvio, há muitos jovens que apenas procuram um emprego e não um trabalho. Entrevistei muitos e sei, dentro do possível, do que falo.

      Beijos.

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  5. Paulinho do meu coração
    Emprego, trabalho e profissão são três áreas que nem sempre coincidem. Falar delas dava pano para mangas, porque são três coisas diferentes, pese embora muitos as considerem o mesmo.
    A propósito do jovem a impressão com que fiquei é a de que o discurso não convence, embora o que diz seja em parte verdade. Se eu quisesse convencer alguém não seria daquela forma. E creio que os meus próprios alunos não me levariam muito a sério...
    Mas, quem sabe, talvez ele seja mais eficaz do que eu seria. Ou, dito de outro modo, talvez eu não esteja preparada para aquele discurso num psicólogo. Deve ser isto.

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    1. O cerne está mesmo aí, o jovem é psicólogo. E por mais que siga a corrente positivista, é de facto um incontinente pró e hiperactivo :-)

      A Helena sabe, como eu, o sucesso que teria nos EUA (ou não, que por lá o que não falta são estes espécimes). Mas como disse atrás, o mercado de emprego norte americano é extremamente dinâmico, de uma mobilidade vertiginosa e, principalmente, as leis laborais são outras.

      ps: Preocupado, e muito, estou eu com este acórdão do TC. O que mais virá por aí...?

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    2. O que vem por aí é outro empréstimo e finalmente a saída do euro nas piores condições.
      Como aliás sempre escrevi.

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    3. Saída do Euro...?
      Não acredito.

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  6. Não o ouvi ainda. Teoricamente, não gosto muito de produtos youtube. Quanto ao padrinho, prefiro o 3. Bom fim de semana :)

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    1. :)) Eu gostei muito do 1º...
      (não tenho qualquer prurido com produtos do Youtube, a sério, e até posso dar muitos exemplos de sucesso)

      Bom fim-de-semana, Fatinha :)

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  7. O ´grande problema, a meu ver, foi ter faltado qualquer fiscalização, whatsoever, para os cursos mirabolantes que surgiram como cogumelos, a vender o sonho português: ter um filho doutor, nem que fosse a martelo. Estava claro que haveria um desfasamento, pela mais lógica da lei procura-oferta..E ainda veio Bolonha, para animar as massas. Divino.

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    1. Exactamente, Sissi! E mais: fizeram das novas universidades um largo e duvidoso negócio...

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