© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Às estrelas, deixem o Céu (ii)

Fotografia nocturna de longa exposição (duração 1:45h)

Quando mais novo, no tempo dos namoros voragens, das paixões de sangue e dos amores que não cabem no peito, nem em parte alguma, judiciava para mim próprio que nada suplantava as dores comuns àqueles estados alma. Ou seja, aqui o menino não passava de um male drama queen. Ou de um egoísta leviano, em bom português. À medida que alguma experiência e maturidade emergiram com a idade, outros sofrimentos bem mais significativos povoaram o meu dia-a-dia. A azia de um campeonato perdido no último minuto, as cãs que se multiplicam por todo o corpo, a factura inesperada da oficina a meio do mês ou a eminência de poder ouvir de sobressalto na tv mais umas gracinhas do senhor Presidente constituem excepcionais exemplos. Mentira. À medida que envelhecemos, o nosso corpo subtrai prazer e multiplica mazelas. Até podia formular aqui uma função matemática que traduzisse a preponderância deste sofrimento. Em vão. A Natureza é mais fértil em analogias que o físico a fraccionar primitivas, com a vantagem de já estar tudo determinado. Numa noite de pez, virem-se para o ocaso e fixem as estrelas no céu. Umas caem e outras sobem. As primeiras são deleite e as segundas agrura. Como é que eu sei isto? Fácil, são muitos anos a olhar o céu com os pés bem assentes na Terra. Ou melhor, alguns amores que nunca couberam no peito.

13 comentários:

  1. :) Deixa-me sorrir à foto antes de qualquer coisa...
    A vida é mais direita do que aquilo que julgamos dela. Dá-nos a consistência para que dela retiremos o que devemos retirar, na escala devida que o acontecimento merece. Na adolescência morri de amor sem saber o que isso era. Hoje, que já sei, vivo dele, mesmo com as agruras que possa acartar às costas. Nunca viveríamos em pleno sem a oposição do sofrimento. A bem ser, no fim do caminho, chegaremos a um estado pleno de existência, onde o usufruto do que merece é sentido à partícula mais ínfima. No fundo, os prazeres também são muito maiores. Somos tão perfeitos, não somos?...

    ( um beijo. deste também gostei...)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ora aqui está um comentário bem melhor do que o meu post!
      A menina dança...? :)
      Beijinhos!

      Eliminar
  2. Não concordo com esta visão da vida, Paulo, talvez porque já tenho mais uns anitos, talvez porque não sofri assim tanto com as paixões adolescentes, talvez porque não olho para o céu tantas vezes ( mas não és o único a olhar o céu!!!).

    A verdade é que sofri mais com o andar dos anos quando tinha os meus 45-50 do sofro que agora. E não se trata de conformismo.
    Há doze anos que atingi o Karma e a Felicidade ( nem que seja por alguns minutos do dia). Viver pode ser extremamente doloroso quando não há liberdade. Só com ela conseguimos aguentar o sofrimento, tendo a certeza de que fizémos o que nos deu na real gana.

    Que me dera que até ao fim da vida o meu envelhecimento fosse assim como é....suave, aceitável, risonho...

    o que dirao as estrelas? Talvez cair de repente seja fim melhor do que andar a girar durante séculos no Universo!

    Concordo com a CF : chegaremos a um estado pleno de existência, onde o usufruto do que merece é sentido à partícula mais ínfima. Liiiindo!

    Bjos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E, pronto, hoje levo uma sova de excelentes comentários!

      Nota-se assim tanto a minha crise dos quarenta...? Sabe, Virgínia, ultimamente por aqui as coisas não têm sido fáceis, mas também não tenho prurido algum em deixar transparecer aqui neste blogue. Afinal, faço dele o que quero e, principalmente, sei que conto com bons amigos e excelentes pessoas.

      Beijos,

      Eliminar
  3. Sim e não, Paulo! Não concordo muito com "à medida que envelhecemos, o nosso corpo subtrai prazer e multiplica mazelas". Ganha-se de um lado e perde-se do outro, diria eu. Há de facto inevitáveis "mazelas", mas o prazer pode ser muito maior, mais sábio e mais sereno. E o amor vale a vida, sempre, na adloescência como na maturidade, mesmo que vivido de forma diferente, em diferentes tempos. Uns valerão mais que outros? Talvez, mas isso só sabemos à posteriori ;)

    (Mesmo quando não se concorda inteiramente com o que diz, a sua formulação é sempre muito bonita. Eu adoro a maneira diz/escreve o que quer dizer.
    Uma pergunta: o lugar desta foto é o mesmo do post "O céu do meu tio"? Já é muito lá atrás, eu sei, mas gosto muito do "macaco perigoso, imenso, escuro e egoísta". E a fotografia, como esta, é também lindíssima ;)

    Um grande beijinho :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma das características mais interessantes da memória é a sua selectividade. Nuns obnubila as coisas más; noutros faz esquecer as muito boas. Há prazeres irrecuperáveis por mais que tentemos esquecer, Isabel ;)

      O céu "macaco perigoso, imenso escuro e egoísta" do meu tio Luís é o mesmo, mas o local outro. Quero dizer, fica na mesma propriedade, mas noutras coordenadas. Fico muito contente que ainda se lembre dessa carta. Era um homem muito sábio e cativante.

      Quanto ao resto, são gentilezas suas, Isabel, que agradeço profundamente.

      Beijinho :)

      Eliminar
  4. Fazes tu muito bem. Os blogues em que não se sente a pulsação do seu autor são meras tiradas retóricas......:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Há muito que deixei essa retórica redonda, agora é só figuras estilosas, tipo sinédoques e outros bichos mutantes... :)

      Eliminar
  5. Mas, meu caro, se é preciso fazer com mais calma e mais jeitinho para não dar cabo das costas, não haverá maior probabilidade de se acabar a saborear melhor? Além de que talvez seja mais fácil lembrar - quando nos vamos esquecendo de tantas coisas - que talvez seja conveniente qualquer coisa confortável para pôr por baixo do corpo enquanto se contempla as estrelas ou, com sorte, se tenta dar um passeio bem dado pelo meio delas :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Hmmm... juntar calma com jeitinho, costas com saborear e corpo com estrelas, só podes estar a falar de Spas, certo...? :))

      Eliminar
  6. Bom, Paulo,eu cá revejo-me nesta visão. Mas isso tem uma explicação: a idade e o surgimento de outras coisas que tudo vêm (ou vieram) relativizar. Filhos, problemas de saúde, por exemplo. Não sou mais a mesma, e também não me importo que o saibam. Hoje sou muito mais "indiferente" a muita coisa, a energia vai para aquilo que é mesmo exigido. As paixões estão muito mais domadas.:) Mas eu penso que a serenidade é ela própria uma conquista. :) Bjs
    (faz sentido? não sou poética, geralmente corto a direito :) nem ando com muito "tempo"...)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Claro que faz sentido, Fátima. Insurjo-me muitas vezes com aquela ideia de "adequação ao conformismo", em que se a idade é uma inevitabilidade, vamos fazer dela uma pílula dourada esquecendo que a idade de ouro foi outra, foi mesmo outra, e não há razões para o escamotear...

      Beijinhos, Fátima! :)

      Eliminar
  7. Amores que não cabem no peito, nem em parte alguma, não têm tempo para aparecer!
    E é tão bom quando aparecem numa altura em que já temos outros sofrimentos!

    ResponderEliminar