© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

sob a pele macia da nossa casa



Já vivi em muitas mais casas do que as minhas quatro décadas de existência. Expatriado ou em Lisboa. E pouco me importou se era mais difícil habitar ou desabitar. Ambos têm feito parte da minha vida tal como morrer ou renascer, acabar ou recomeçar, cair ou levantar. Contudo, nunca fiz desses locais uma mundana hospedaria. Por cada um que alugava ou comprava era um lar que procurava e uma infinita parte de mim que por lá se manteve. As casas não são só paredes e telhados com mobílias e roupas. As nossas casas, as verdadeiras, são vidas inteiras vadias, são alegrias e queixumes, partilhas e apegos seguros sem domicílio fiscal. Lares doces de afectos com o frenético tempero quotidiano, mais sal, menos acre. O que os constrói é o quanto de nós próprios já demos e neles persiste. Como o Universo, a nossa casa não é um lugar físico mensurável, não, somos só nós  sob uma pele macia sem tecto. E com as portas e as janelas que quisermos abrir.

21 comentários:

  1. Que belo texto, muito belo. É isso, assim como diz - apesar de ter mudado de casa poucas vezes - 4, na verdade :)

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    1. Isto é tudo muito curioso... Sabe de onde veio parte do texto? Do seu excelente "Out of Europe", esse mesmo da caneta ;)
      Muito obrigado, Fátima. Aceite um, ou dois, beijinhos. O que preferir.

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    2. Três, então :) Mas que coisa boa me disse, Paulo, e como me acontece escrever, tantas vezes, quando leio coisas de que gosto - e são muitas, thank god- por essa blogosfera fora. Os outros inspiram-me (digo eu, creio eu). :) Houvesse mais tempo ... O tempo de África, que o europeu foge :)

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    3. Três é à holandesa e quatro é à Lille (França). Vou experimentar o cumprimento do Tibete que é mostrar a língua :P

      (à distância, claro)

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  2. Estou como a Fátima. Também só mudei de casa quatro vezes, o que já me parece muito, porque não gosto nada de o fazer. Na primeira e nesta de agora estão vinte anos da minha vida, que albergam tantas alegrias e tristezas, lágrimas e risos e vozes e silêncios - "uma parte infinita de mim", como tão bem diz. Concordo com tudo. As nossas casas são parte de nós, como "uma pele macia sem tecto". Belíssima esta imagem e o texto inteiro. Gosto muito, muito!

    beijinho :9

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    1. Sinceramente, o que mais custa são as mudanças (activar electricidade, gás, água, caixas e caixotes, móveis, enfim). Mesmo manter uma casa fechada requer muitos cuidados. De qualquer forma a nossa verdadeira casa somos nós e quem nos acompanha...

      Muito obrigado, Beijinho:)

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  3. Que belo texto! Lindo, “de verdade”. A nossa casa é tudo... E, também se compõe de referencias, que o espírito encontra, no lugar, no objecto, na musica,..; Todas elas simbolizam, e traduzem, em grande parte, o ninho dessa imensidão, que é o espaço intimo de cada um de nós próprios.
    Coordenação perfeita entre texto, imagem e musica. Parabéns!:)
    Teresa Peralta

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    1. Isso mesmo, Teresa: "é o espaço íntimo de cada um de nós próprios" o nosso lar, porque casas há muitas... :)

      Muito obrigado.

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  4. Desde que nasci vivi em cinco casas, mas apenas de lembro de três porque as outras era bebé quando os meus pais mudaram.

    O seu texto reflecte exactamente aquilo que penso sobre a mudança de casa... o que se vive e as memórias que ficam desses espaços (boas ou más), embora também signifique, muitas vezes, a melhor maneira de se "cortar" com o passado e tentar reconstruir uma "nova" vida.

    Confesso que quando passo por uma casa em ruínas penso sempre que já foi um espaço com vida... Há um palacete lindíssimo (Prémio Valmor) perto de minha casa e (também das minhas casas anteriores) que me fascina porque lembro-me dele habitado por uma família abrasonada e hoje está quase em ruínas.

    Curiosamente, não me importo de mudar de casa mas continuo a gostar de manter a identidade na zona em que sempre vivi... Talvez por nunca ter vivido no estrangeiro!

    Isabel BP

    P.S. Na foto, fascinou-me o quadro porque representa uma vida que perdura no tempo. Uma das minhas debilidades, para além da fotografia, é a pintura :)

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    1. Uma casa em ruinas é fascinante, parece que ainda conserva os cheiros da cozinha, os gritos das crianças a brincar, as conversas ao serão, os dramas e as felicidades. Afectivamente, a reabilitação faz desaparecer tudo isto, mas há edifícios lindíssimos que deviam obrigatoriamente ser recuperados, a bem do Património.

      Sabe, Isabel, já me senti em casa num hotel, veja lá. Nisto dos lares são os afectos vividos que contam...

      P.S. Não lhe chamaria "debilidade", mas sensibilidade. Também sou apaixonado por pintura, muito mesmo.

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  5. Home is where you are happy.

    Acredito nisto e já mudei dez vezes de casa....o que não é despiciente....mas nunca me senti despaisada...somos nós que fazemos as casas e é tão bom mudar!

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  6. Paulo, das casa recordo o cheiro e as luzes, ligadas a momentos especiais da minha vida. Tive sete, uma em Paris. Em cada uma delas ficou não um bocado de mim, mas uma parte da minha história pessoal. Numas chorei, noutras ri. Mas nenhuma me possuiu.
    O seu texto, lindíssimo, lembrou-me isso, de nenhuma me ter possuído. Não sei se é bom ou não. Mas a mim agrada-me, dá-me asas. Gosto de ser de lado nenhum...cada vez mais!
    Bjo

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    1. Helena, bonita imagem de liberdade. Também, nenhuma delas me possuiu, me fez ficar agarrado. Sem leituras dúbias, ou com interpretações maliciosas, as minhas casas foram as pessoas que "possuí". E, no fundo, foi isto que quis dizer com a expressão "somos só nós sob uma pele macia sem tecto".

      Beijo, Helena!

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  7. No fundo, e de acordo com esta tua última explicação, chamas casas às pessoas que foste tendo pelo caminho. Faz sentido, imenso sentido. Uma casa no sentido de lar é um lugar cravejado de sentires, com portas e recantos sem fim, com um mundo infinito de ligações. És tu e é algo mais, um par e passo, uma complementaridade. Duas pessoas também podem ser tudo isso. Isso e muito mais...

    ( Um beijo. Gosto da música, não sei se já disse. E que lindo texto, este...)

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    1. Dito assim soa esquisito, mas quantas coisas surgem estranhas e não são mais do que verdades? As minhas casas constroem-se ou herdam-se por mor de uma vontade maior, não se compram nem se alugam. Enfim, palavras e significados que conheces muito bem.

      (Beijo, obrigado :) )

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  8. Bem não consigo responder no sítio certo, mas em complemento do Paulo referir que já se sentiu em "casa num hotel", também sinto o mesmo porque há locais em Portugal e no estrangeiro em fico sempre no mesmo hotel e de preferência no mesmo quarto.

    Isabel BP

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    1. Também eu. E de preferência no mesmíssimo quarto. :))

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  9. As minhas casas são todos os lugares em que sinto paz ( e não digo amor porque sem ele não tinha paz! )
    Infelizmente há algumas casas em que não consegui sentir paz e que também eram minhas ... também podia sentir que se não tive paz é porque na realidade não eram minhas mas ... sinto que eram!


    Mais uma vez gosto muito da fotografia! Parabéns!

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    1. É, Maria João, mais importante do que se sentimos paz ou não, é saber se nos deram "colo". Se sim, foi/é a nossa casa...

      Beijinho e obrigado.

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