© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Sucintamente? Um avião chamado Blanchett

(foto retirada daqui)

Decalcado do argumento da peça de Tennessee Williams, A Streetcar Named Desire (Um Eléctrico chamado Desejo), o argumento não é original nem adaptado. É o que é, sob o pano de fundo da crise financeira de 2008 e do escândalo Madoff. Contudo, no universo de Woody Allen persistem duas Américas. A nova-iorquina primeiro-mundista - que saboreia o conforto e as delícias turísticas da Europa à medida que surtem os proveitos afrodisíacos de Wall Street - e a outra, a salve-se-quem-puder, onde nenhum direito ou conforto social está assegurado antes do árduo caminho self-made man. Uma vez mais, o eterno feminino é esfoliado até à essência das suas vicissitudes em variações concomitantes entre o ter, o ser e o parecer. O drama psicológico está lá, como nos bons velhos tempos, intenso, avassalador, obsessivo nas raias da loucura, numa Jasmine (ou Jeannette) com traços de Blanche Dubois. E afinal onde reside a verdadeira diferença? No cunho inaliável e inalienável de Woody Allen e num impressionante avião chamado Cate Blanchett. Os solilóquios intermináveis de Jasmine são imperdíveis, prendem-nos freneticamente ao seu imenso fracasso, convocando-nos até ao sentimento mais cruel e presunçoso do ser humano: a comiseração. Por mim, um incorrigível admirador da australiana, já a tinha salvo das tormentas da mulher-troféu, torneado aquela magnífica face angulosa e calado a fabulosa voz de Elizabeth. Por mim, um dos maiores suspeitos, acalmava-a no terraço de um qualquer Four Seasons de Saint Tropez ao som, óbvio, de Blue Moon.

12 comentários:

  1. É de facto a genialidade com que Cate Blanchett é capaz de nos transmitir o drama de Jasmine, na sua indefesa fragilidade, que a aproxima de nós a ponto de despertar a nossa compaixão, sim, mas misturada com os mais ambíguos sentimentos. É a sua excelente e tão credível interpretação do que diz a canção "without a dream in my heart, without a love of my own", que nos comove e perturba e enternece. Tudo ao mesmo tempo...
    Muito, muito bom!

    (Belíssimo post!...)
    Beijinho :)

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    1. Concordo em absoluto, Isabel, a personagem é soberba. Pena o argumento não ser original. Mas, como já se disse, Woody Allen não precisa de nada de muito original para ser genial. Acho que eu, a Isabel e a Helena, vimos tudo...

      (Obrigado...)

      Beijinho :)

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  2. Fui ver hoje. Muito curiosa a forma como ambos vimos o filme. Coincidimos na Cate Blanchett e discordamos no que você admite que a acalmaria...
    Blanchett/Jasmine foge aos padrões tradicionais de acalmia. Parece que, além do Xanax, o que a acalma é um certo tipo de vida, onde ela seja o centro do universo. Ainda há pessoas assim, que não percebem que o prazo de validade desse estilo está ultrapassado e não voltas mais.

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    1. Helena, deixe-me soltar um largo riso: ahahahah :-))

      Quando eu escrevo que a acalmaria num "Four Season em Saint Tropez", estou precisamente a seguir o "humor negro" de Woody Allen: nada em St. Tropez é calmo, muito menos num Ritz. O que quis dizer foi que Jasmine, como o realizador quis frisar, é incorrigível, incapaz de viver uma vida de "proletária", sendo reincidente em tudo o que "parece". Mas, caramba, uma Blanchett merece inequivocamente os 10000 euros de uma noite com muitos cocktails sem Xanaxs.


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    2. Mas Paulo, o Xanax é que a torna incorrigível, o que a alivia do sufoco, o que lhe permite "aguentar" a vida. Sem eles, o que seria de Jasmine?

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    3. Ora aí está uma dúvida que "me assiste": ela já tomava Xanax na Park Avenue? Ou só começou em S. Francisco...? Penso que em NYC eram só cocktails e depois do descalabro é que misturou Xanax com álcool... Estarei enganado? Olhe, não sei.

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    4. Lembra-se da conversa da Jasmine na esplanada com a amiga e depois quando o marido lhe diz que está apaixonado? Em ambas as ocasiões ela procura o Xanax - raio de nome para remédio - e na primeira toma-o com a bebida e na segunda quando o procura na mala, espalha-se tudo no chão e ela corre a chamar o FBI.
      Julgo que o Xanax é mais de quem pode compra-lo para aliviar os "sufocos" do que de quem não tem dinheiro senão para os aguentar. Mas posso estar enganada...

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    5. Jesus, Helena! Que memória... Lembro-me, sim.

      (Há pessoas com muita memória que não são propriamente inteligentes, mas nenhuma pessoa inteligente não tem uma excelente memória - o seu caso, claro!)

      Vou ali comprar Memofante ou lá como se chama... :-)

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  3. Critiquei o filme antes de todos vós....mas isso agora não interessa nada....lamentável....

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  4. Caro Paulo AL,

    Embora já não posso dizer "primeira", vou, eventualmente "criticar" em último... o que me leva para os últimos lugares do pódio :))

    Como é habitual, gostei do seu post, mas o que me encantou foi a música porque era a música dos meus pais. Merci!

    Isabel BP

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    1. Ora, ora, Isabel, os últimos são os primeiros :)
      Não é novidade, mas WA é um apaixonado por blues e jazz. Olhe, tal como ele (e a Jasmine que nem sabia a letra), gosto muito desta.

      Obrigado, eu!

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