© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

eu e os meus




Já tive medo de morrer. Não, não é bem assim, vou repetir: até há uns bons tempos atrás, tive muito medo de morrer. Já não tenho? Tenho. Mas não como há uns tempos. Depois descobri que há coisas piores. A assistir completamente impotente ao sofrimento dos meus filhos, prefiro morrer; a perder as pessoas da minha vida, escolho morrer; a sonegarem-me a capacidade de sonhar, elejo morrer – caso me concedessem a veleidade da prima e suprema escolha, claro está. É que com os meus medos e sofrimentos posso bem, basta que sejam apenas meus e não me obnubilem a crença e a capacidade de ansiar. Já com o resto, posso quase nada. E, ironia da condição humana, o resto é precisamente a minha vida. O resto são os meus mais queridos e todos os meus sonhos. O resto sou eu. Afinal, não posso bem comigo.

16 comentários:

  1. Paulo
    Pois eu creio que pode bem consigo. Talvez não possa com aquilo que os outros possam ver em si. O que acontece com quase todos nós.
    O nosso "eu" está muitas vezes longe do "ele" percebido pelos que nos rodeiam. Qual é o mais verdadeiro é que me parece ser o núcleo da questão. E amarmo-nos a nós próprios - numa simbiose quase perfeita entre o eu e o ele - seria uma outra vertente da questão...

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    1. Helena,
      Amarmo-nos a nós próprios - entre o eu e o ele - também depende dos outros, dos outros nossos, muito mais do que apenas de nós. O cliché "primeiro goste de si próprio" é incipiente, por mais romântico que pareça, como "caminhe no deserto e descubra-se a si próprio". Não somos nada sem os "nossos" e os nossos sonhos, por mais travessias que façamos por Úrano. E a Helena sabe-o tão bem...

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    2. Paulo
      Cliché é para mim dizer "dava a vida por ele/a". Sempre considerei que os filhos são empréstimos que Deus nos faz. Como os Pais. Às vezes Ele cobra mais cedo, é verdade. Mas isso não apaga o tempo que gozámos o empréstimo.
      Hoje julgo que "nosso", mesmo nosso, é quase nada. Resta o "eu". Se o não amarmos, quem amamos?!

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  2. Há posts seus que eu leio e me suscitam um comentário imediato. Há outros que me deixam a pensar. Este pertence à segunda categoria. Concordo consigo no sentido em que a nossa vida é muito pouco sem os "nossos" e os nossos sonhos. Mas também é verdade que uma parte grande do que a vida nos destina não está nas nossas mãos, nem na nossa vontade.

    (De resto, lindíssimo post. Bom e as fotografias, essas, deixam-me uma vez mais sem palavras... )

    Beijinho :)

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    1. Isabel,
      "Grande parte do que a vida nos destina não está nas nossas mãos, nem na nossa vontade" porque não somos donos de nós mesmos; os "nossos" e os nossos sonhos possuem todos os bocadinhos de nós. Como o Universo, para ficar mais bonito.

      A gentileza, por exemplo, é uma grande parte de si. Obrigado, Isabel.

      Beijinho :)

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  3. Penso que se está a referir à doença e ao terrível e natural sentimento de impotência sobre a vida e a morte (nas primeiras linhas). Eu tb amo a vida mas a dos nossos filhos está acima, sim, sobretudo a deles. Uma coisa enorme, superior. Ver o sofrimento de quem ama, sofrimento a sério, è uma dor maior.
    Beijinho

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    1. Fátima,
      Principalmente quando nada podemos fazer. Como os nossos sonhos, retirando-nos, somos nada. Nada, nada...
      (o post foi escrito numa fase de efémero desalento, daí a soturnidade, as minhas desculpas)

      Beijinho

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  4. Respostas
    1. (Vós, Senhoras Professoras, sois umas picuinhas... :))

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    2. Ahahah! Muito bom! Eu, pecadora, me confesso: é deformação profissional! E, a mim, já me fez passar algumas vergonhas. Conto um breve episódio ilustrativo: há uns bons anos, num famoso bar lisboeta, um não menos famoso cantor pediu-me que procurasse uma canção no seu livro de músicas. Quando o abri, vi um ou dois erros ortográficos. Instintivamente tirei uma caneta da mala e comecei a emendá-los; e só me apercebi do que estava a fazer quando vi toda a gente a rir à minha volta. Enfim, como diria o outro "não havia necessidade!..." :))

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    3. Xafarix para si também... :))

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  5. Não somos nada sem os "nossos" e os nossos sonhos, por mais travessias que façamos por Úrano...

    Já vi os filhos a sofrer e senti que a vida se esvaía, mas foi quando mais stamina precisei...

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    1. Sim, Virgínia, mas a "stamina" só surge enquanto houver esperança e, muitas vezes, esta e outras coisas vão-se. Vão-se e não ficam...

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  6. A incapacidade é uma dor terrível...é mesmo! E quantas vezes a sentimos ao longo da nossa vida? Vezes de mais, diria eu!
    Mas não é isso mesmo que aprendemos desde que nascemos?! A sermos capazes?! A termos capacidade para ...!

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    1. Maria João,

      Nós não "aprendemos desde que nascemos" a ser capazes de ser impotentes. Por mais superior que seja uma resignação. Aprendemos a conseguir tudo, tudinho nesta vida, até que constatamos que nada é assim e, aí, começamos a relativizar, a anuir, a ter medo. Não...?

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