© Paulo Abreu e Lima

domingo, 15 de dezembro de 2013

é simples

Gosto da simplicidade de um copo de água, de uma camisola quente, de um abraço apertado, de um pacote de arroz. Gosto de a sentir em cada passo que dou na direcção de coisa nenhuma, ou na direcção determinada de um lugar escolhido, depende, a vida é sempre tão complicada ( e direccionada). Gosto da voz do meu filho, límpida, e gosto do pêlo da minha gata, macio e simples. Gosto da genuinidade da infância, da gratidão da velhice, do amor ao próximo, tudo coisas fáceis, assim nós sejamos fáceis também. Gosto dos dias claros e dos dias escuros, ambos são casa para mim, pode até chover e o vento zangar-se comigo, só porque sim. Eu deixo, e espero que passe (isso também é ser simples). Gosto de café com leite e torradas com manteiga quando é Inverno, e se for Natal, torro bolo rei e como-o tostado com chá de cidreira, à lareira. Gosto, gosto muito de uma lareira. Uma lareira faz-me companhia, mesmo se não houver ninguém, e pode ser um local onde a simplicidade da vida assume um esplendor ainda maior (que magnífica antítese). Para isso preciso apenas de uma manta de retalhos e de troncos, para a ir compondo. Os meus olhos conseguem olhá-la horas a fio sem se cansarem, e isso só é possível com as coisas simples, que não exigem de nós para além dos sentidos práticos. 

É claro que esta minha clara visão nos reduziria ao fastio, sem a complexidade da existência, a morrermos em escadinha como uns bichos esfomeados à procura de alimento, num precipício qualquer. Não viveríamos facilmente sem o tabuleiro de xadrez que é a vida, carregado de caminhos, de peões, de Reis e de Rainhas, de torres, bispos e cavalos ( e o que eu gosto dos cavalos, num jogo de xadrez).  Mas penso sempre, e perdoem-me a franqueza, que deveríamos de alguma forma cultivar o culto da simplicidade, uns dias por mês, uma vez por semana, na loucura, umas horas por dia (o rigor da matemática, por vezes, também habita em mim). Aquelas em que olhamos uma parede branca que nos ocupa, em que sentimos uma almofada macia que nos dá o merecido colo, em que nuns olhos olhamos tudo, e o que sobra é conversa (que nem se escuta mais). Sim sim, há paredes brancas, almofadas com braços e olhos com mundo. É apagar o resto, e deixar acontecer (ali, numas certas bandas da pele).

2 comentários:

  1. Ao ler este post lembrei-me de outro que quero escrever e lhe anda próximo: o gosto da preguiça. Não o tenho. Mas vou tentar, em 2014, dar-lhe a sua matemática!
    Abraço

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    1. Helena, há alguns pecados mortais, que só são pecado se forem em excesso. A preguiça é seguramente um deles, e como tal dê-lhe sim, toda a matemática que lhe fizer sentido... :)

      Um abraço para si também.

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