© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Natal


Havia um senhora que não apreciava o Natal. Corria todos os dias da vida, dormia umas poucas horas, acordava muito cedo, existiam sempre dependências. As matriarcas não têm muito tempo para as festas e nem sempre têm muito tempo para os filhos, porque precisam de ter algum para todas as pessoas que esperam delas, só um bocadinho. Apesar disso nas vésperas fritava coscorões de massa lêveda, após horas de trabalho de braços fortes. O quarto dos fundos, que  era pobre e não tinha janela, servia de incubador para que a massa crescesse sem medo do Inverno e abençoada por um Deus que parece que não havia: que Deus te abençoe e te faça crescer. Tudo crescia sempre no Natal, muito embora a matriarca não tivesse espírito natalício. Não havia consoada sem bacalhau com couves, não havia dia de Natal sem borrego assado no forno, não havia festas sem família reunida numa mesa coroada com o bolo Rei, o melhor bolo de sempre. A matriarca também não tinha o coração aberto para todas as pessoas, tinha um coração dirigido à prol e afins, que governava e juntava em redor de uma vida. Ali para o final dela, desapareceu antes do tempo. Morreu a correr deitada numa cama fria de um hospital, do qual eu saí cedo demais. Ela não apreciava o Natal nem a transcendência. Não era crente na Virgem, acreditava nos pés que caminhavam incessantes num mundo que pouco lhe dizia para além dos próximos. Desde aí até agora que a falta dela me mora num sítio indefinido, que são todos os lugares por onde eu posso passar. O Natal não é igual, mas ela não gostava dele. Gostava de nós e nós dela, e bem vistas as coisas o Natal não é muito mais do que isso. A vida toda não é muito mais do que o amor. Hoje há três netas e três rolos prontos a tender a massa que ninguém amassa. Há bolo rei sem brinde, nunca mais os vi no meio das frutas secas e das cerejas cristalizadas. Há Natal e há amor, uma herança que perdurará para sempre enquanto olharmos umas para as outras e soubermos que a matriarca anda por aqui, no meio de nós (Amém).  

7 comentários:

  1. Destaco esta sua frase, CF: "A vida toda, não é muito mais do que o amor", com a qual concordo inteiramente; e aproveito esta quadra de amor e sentimentos bons para lhe mandar um beijinho de bom Natal e desejar muitas coisas boas (todas as quiser ter...) ;)

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    1. Obrigada Isabel. Retribuo os votos e deixo-lhe o desejo de um Natal cheio de tudo o que desejar. Um beijinho para si.

      ( Bom ter destacado essa frase. Só assim lhe detectei uma virgula a mais. A professora de português deve ter dado por isso... :))

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    2. Dar por isso, dei, CF, mas achei que não tinha a menor importância. De resto, copiei-a igualzinha, com vírgula e tudo, porque não queria dar destaque a esse facto, tão irrelevante, ou parecer que me estava a armar em "cócó".`É que, como diz o Paulo: isso são "minudências" ;)

      Beijinhos para os dois.

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  2. Bom Natal quentinho e com lareira no coração. Para um e para outro.
    E um 2014 em que se desatem os nós e se viva em paz. Mesmo que só na paz possível!
    Bjos

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    1. Cara Helena, que linda mensagem nos deixa. E confortável também. Tudo de bom para si, na paz possível. E se possível for, que seja muita...

      Obrigada, e um grande beijo.

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  3. Muito obrigada pela vossa visita, Paulo e Carla, e venho aqui retribuir com o desejo de um ótimo natal para vocês. Luz e brilho... Beijinhos duplicados, pois. :)

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    1. Obrigada Fátima. E votos renovados mais uma vez... :)

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