© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

ilusão

A honestidade não nos dá o direito a dizer toda a verdade. A honestidade e a franqueza são uma obrigação à qual nos sujeitamos enquanto seres morais, mas não é por sermos francos que deveremos dizer tudo o que nos aprouver. Ao sermos francos deveremos ser verdadeiros, não invasivos. Há uma linha ténue a partir da qual a frontalidade pode ser um excesso. Oiço com frequência que devo aguentar a verdade, somente a verdade e nada mais do que a verdade. Mas e então pergunto eu, será que não tenho o direito a recusar-me a ela? Mais, qual é a quantidade de verdade incómoda que eu sou obrigada a ouvir da boca de outra pessoa, sem me queixar? Partindo do pressuposto, claro, que aquela verdade não contribui em influência exequível para nenhuma situação da minha vida pessoal ou social, caso contrário serão outras questões. Não sou apologista da ignorância como forma de protecção, nada disso, sou somente crente na teoria do limite com a mesmíssima função, tenho direito a ela. Há muito que defendo as técnicas de defesa mental, e como tal em nada me incomodam negações, racionalizações ou outras estratégias de adaptação, desde que vividas de forma minimamente saudável e em consciência. Esta forma particular de egoísmo vale-me tanto como qualquer uma das outras. No dia em que eu deixar de lado as resistências, é sinal que perdi a minha construção interna e entrei na vacuidade da existência, e sinceramente não me apraz tal sossego, sem pertença, sem incómodo, sem emoção. 

(É claro que ressalvo as perguntas, se as fazemos deveremos estar preparados para ouvir as respostas às mesmas. Como tal há questões que eu não coloco, ponto. Se sou mais ignorante por isso, não sei, sei só que o estado plenamente consciente da estrutura mental nem sempre é o mais feliz de todos. Mais, vem muitas vezes acompanhado de desalento e desesperança. Nem sempre a linearidade é a solução, convenhamos: todos sabemos que não é possível viver sem compartimentos de ilusão.)

4 comentários:

  1. TERESA PERALTAfevereiro 13, 2014

    CF, esse limite é ultrapassado quando não conseguimos ter em atenção os sentimentos dos outros, tocando, inclusivamente, numa certa falta de respeito pelos mesmos. Na verdade, é uma linha ténue que não deve ser ultrapassada, que nos obriga a exercitar o modo de alcançar uma verdadeira dignidade. Digo eu!..
    Beijinho para si

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    1. A linha é ténue, sim, e julgo que por vezes se ultrapassa inadvertidamente. Faz parte de um trabalho próprio percebermos o local exacto onde se deve parar, e talvez nem sempre seja fácil. Mas é sem dúvida necessário fazer esse esforço...

      Um beijinho para si também, Teresa.

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  2. Ás vezes há que ouvir verdades que invadem. Verdades que não se pedem para ouvir. Verdades que soam primeiro longe e depois ficam a batucar na cabeça, tantos segundos, que soam a eternidade.
    Ninguém está preparado para ouvir verdades assim. Ninguém está preparado para ser tão invadido com verdades assim. E apesar disso...
    Não há negações, racionalizações, linhas ténues, ou linhas de espécie alguma. Há a vida, ali, suspensa de uma verdade. O mundo que muda num segundo, para uma realidade que ninguém queria. E que ninguém consegue sequer interiorizar. Apesar de ser tão verdade.
    É que essas verdades demoram.
    É tudo ultrapassado e tudo invadido. Até ao âmago.
    Sou uma presença assídua de espaços de verdades invasoras, da forma mais brutal. Sou também uma invasora, lá, onde a dignidade não é sequer uma prioridade. Porque a prioridade é simplesmente: respirar.
    Verdades que presencio. Verdades que me pedem para desmentir... de gente que me implora para que não seja assim. Apesar disso, é! E ali, não há lugar exacto para parar a verdade. Nem formulas a aplicar. Nem manuais de instruções, nem psicólogos com territórios definidos, nem psiquiatras milagrosos. Todos partilhamos o mesmo limbo.
    Confirmado o diagnóstico!
    Confirmado o fim do tratamento: o organismo não responde mais.
    Confirmado: ordem expressa para não reanimar.
    Confirmado: amputar
    confirmado! Confirmado! Confirmado!
    O corpo reage às verdades...e, é preciso deixá-lo reagir. Esperar o tempo que for preciso e entretanto garantir que é possível não sucumbir ali mesmo. Há quem hiperventile, quem vomite, quem caia no chão. Quem chore e, quem se esqueça de como se chora.
    São as verdades, do dia a dia, de uma pediatria oncológica.

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    1. Cara George Sand, a vida, e indo ao seu encontro, é toda ela verdade. A vida que se vive e que se sente, a que nasce e a que morre. Não há mentiras na dureza ou na loucura do amor, nos limites humanos da fome e da guerra, nos corpos que se sujeitam a provação, em qualquer tipo de extremo. Atesta-se na sensação, impossível de deixar de sentir. Foi longe e muito bem, nas palavras que disse. As minhas eram mais ligeiras, muito distantes da essência. Lá, nessa essência, não há mentira que se instale. Por muito que até se queira...

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