© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Lua de Fevereiro (e outras cenas)

 

Como muitos infantis de oito-dez anos, ficava no alpendre da casa da minha avó até elevadas horas da noite (nove e meia) de queixo estendido ao alto e olhos esbugalhados quase vidrados a olhar o céu. Concentrado e dramático pensava um dia revelar ao mundo todos os seus mistérios. Em noites de Lua nova, com o estridular dos grilos e o fogo de artifício cerce dos vaga-lumes, perdia-me nas estrelas que pareciam multiplicar-se mais e mais até já não existir um único ponto negro celeste. Aí, comovia-me e tentava não pestanejar. Guardar toda a luz de um céu estrelado no brilho de uma lágrima não é fácil - ó tarefa inglória, como eu não a queria deixar escapar! -, sobretudo quando o Tejo ladrava às danças malucas dos coleópteros. Na maior parte das outras noites de Verão lá surgia a Lua e eu não apreciava nada, era como uma lanterna apontada à cara que me impedia ver todos os pontinhos muito mais cobiçados, como um Sol nocturno sem serventia que espantava a caça.


A Lua é um amor recente, tem dois anos, mais coisa menos mês. Conheço-lhe as voltas, as formas bojudas e pontiagudas, as manhas e as manias. A Lua é presente e não sei se lhe antevejo futuro. Estável e duradoiro, com final feliz. 
Esta, de Fevereiro, revela um fenómeno. Não obstante a fotografia ter sido tirada ao lado de um cemitério, por acaso alguém sabe o que aconteceu...?


 

6 comentários:

  1. Tenho a sensação que a sua série das Luas, que eu tanto aprecio, se vai aprimorando a cada mês, Paulo, no sentido de um "raffinement" (à la française, para dar mais a ideia do requinte) que conjuga na perfeição, texto, fotografia e som que os acompanha, e que nos remete para ambientes oníricos e misteriosos.

    Desta vez, tal como da anterior, termina com um enigma ao qual nem me atrevo a responder. É que não faço a mínima ideia do que aconteceu. E a questão do cemitério só me baralha. Prefiro, por isso, esperar pela sua resposta.

    Mas este seu post, que pode dividir-se em partes, lembrou-me - nas duas primeiras - outros posts seus, antigos. E fui à procura. A primeira parte lembrou-me imediatamente "O céu do tio Luís". A segunda parte lembrou-me outro post, que me foi mais difícil localizar e que também tem a lua e a música "moonlighting".
    Talvez o seu enigma tenha alguma coisa a ver com o "macaco perigoso, imenso, escuro e egoísta" a que eu achei tanta graça da primeira vez que li essa deliciosa formulação. E por isso não a esqueci.

    (E nem imagino o que nos reservará a "Lua de Março", mês em relação ao qual tenho abusivos sentimentos de posse, por razões mais ou menos compreensíveis ) ;)
    Mas isso, logo se verá... Por agora, (mais um) belo post!

    Beijinho :)

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    1. Isabel,

      Não fosse o primeiro dia deste mês e não teria tempo (literalmente no sentido climatérico e no que passa e não sobra) para a Lua de Fevereiro...

      A Teresa, aqui em baixo, fala de um fenómeno (a Lua em forma de U) que já lhe vou responder, mas aqui, nesta Lua, estava a referir-me em especial a outro. Já reparou que além da parte iluminada da Lua, também conseguimos nesta foto ver a não iluminada? Em todas as outras que fotografei tal nunca aconteceu e sabe porquê? Porque esta seguiu-se, um ou dois dias, à Lua Nova e a parte não iluminada pelo Sol, ou seja, a noite lunar recebe o reflexo do Sol que incide na Terra. É a chamada luz cinérea da Lua. Imagine-se na noite da Lua (parte não iluminada), de lá vê uma Terra 5 vezes mais luminosa do que o luar que observa daqui da Terra, tão forte que praticamente não é noite. A capacidade de reflexão de um corpo sem luz própria chama-se albedo. O da Lua é de cerca de 12% e o da Terra de quase 60%. Hei-de voltar ao fenómeno, até porque é muito útil para avaliar a variação de clima na Terra.

      ("O céu do meu tio Luís" era africano, uma coisa fantástica completamente à parte: era simultaneamente Vida e guia, fonte de energia e de morte...)

      Pois... a Lua de Março também é minha :), vamos ver o que calha. Beijinho :)

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  2. TERESA PERALTAfevereiro 18, 2014


    Ó Paulo esta lua é, talvez, a mais bonita de todas. Mesmo, porque é invulgar na sua forma de crescente lunar. Não sei explicar a razão cientifica que justifica esta alteração. No entanto, atrevo-me a deixar aqui a minha contribuição iconográfica (que faz parte de um sério defeito profissional) demonstrando o quanto longínqua (Médio Oriente) e antiga (desde 3000 a. C.) se torna esta representação, anómala no Hemisfério Norte.
    Cilindro selo (2400 a. C) http://en.wikipedia.org/wiki/File:Khashkhamer_seal_moon_worship.jpg
    Ou um Kudurru do sec. XII a. C.
    http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kudurru_Melishipak_Louvre_Sb23_n02.jpg
    E há mais exemplos, muitos mais ... :)

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    1. Teresa,

      Não era a esse fenómeno que me referia, mas fez muito bem em evocá-lo. Do Equador para o hemisfério Norte e para o Sul, até (ou para além) dos 30º de latitude este fenómeno ocorre em algumas estações do ano por dois ou mais ciclos lunares. entre outras razões tem a ver com a inclinação da elíptica da Lua à volta da Terra. E, claro, os Antigos sabiam-na toda :) Muito obrigado pelos exemplos que nos trouxe, são mesmo ancestrais...:)

      ps: a explicação do outro fenómeno está na resposta que dei à Isabel.

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  3. Quando era pequena sonhava ir à lua. Quando o homem lá chegou foi-se o sonho mas manteve-se o encantamento.
    Gosto da partilha que faz do seu amor lunar que quase parece encarnar numa mulher: distante, misteriosa, mostrando-se e ocultando-se, num jogo que só ela conhece...

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    1. É, Helena, como no Tango: umas vezes domina, outras deixa-se dominar... :-))
      Abreijo!

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