© Paulo Abreu e Lima

terça-feira, 18 de março de 2014

bem-querer?

O bem-querer e o afecto nascem em doses grandes por corpos pequenos. Direccionam-se com facilidade à fragilidade engraçada, ao bilúbilú debaixo do queixinho e do pescocinho, no colo onde ainda se cabe. Com animais e com pessoas, até porque tudo quanto é pequeno tem graça e cheira bem. Depois com o tempo a devoção pode abrandar. A vida dá-nos tanto que fazer, as responsabilidades são mais do que muitas, as prioridades assumem-se com a imponência de quem olha para o próprio umbigo e não vê o resto do mundo. Não há muitos sítios maiores do que o nosso umbigo, a não ser, claro está, o dos amores incondicionais, mas esses estão assentes no divino e não discorro por ora sobre tal enormidade. Por ora centro-me em quem está perto, em quem assume isto ou aquilo sem empenho próprio de acção, a única grandeza que nos pode realmente regulamentar a vontade. Dar de nós dá trabalho. Dar de nós custa ao corpo e custa à voluntariedade, custa ao empenho e ao nosso tempo, aquele que teima sempre em morrer antes de chegar. Dar de nós a quem precisa exige-nos compromisso, e para isso é necessário que cá dentro saibamos que os seres vivos crescem e podem adoecer, e podem até perder a graça. E é aqui que o compromisso em vez de morrer deveria encastrar, tornar-se ainda mais valioso, ainda mais forte, ainda mais real. Mas temos um mundo que gira francamente ao contrário. Temos um mundo que venera a beleza e a saúde, o vigor e a fragilidade agradável, a forma encantadora dos primeiros anos e a deliciosa leveza do ser, enquanto despreza a necessidade, foge da doença e da velhice, usa distâncias de segurança para o salvaguardar do resto e do fim, ao mesmo tempo que se mascara de um lugar perfeito. É isto o ano inteiro, o entrudo veio para ficar: que siga a música, dancemos todos. 

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