© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Lisboa no dia seguinte



Hoje, pelas seis, Lisboa acordou suave, leitosa e altaneira. Nem poderia ser de outra forma, quem sobrevive a um terramoto, amanhece incólume a todos os excessos dos arraiais e às competições caninas das intermináveis e maçudas marchas populares. Aliás, os moldes do desfile são, cada vez mais, para quem fica em casa a ver TV – e para quem eriça leques de simpatia de pavão amedrontado, pagando com dinheiros dos munícipes e botões de punho cintilantes os constrangimentos de uma greve dos senhores do lixo. Tudo ao pormenor: trajes, holofotes e angariação de votos. De resto, entapetam-se os buracos e... siga a Marinha!

Este ano preferi os arraiais de rua, o carvão sob a sardinha a pingar e as linguiças estaladiças sobre o pão. Elegi os pregões intervalados por música popularucha, a sangria fresquíssima em copos de plástico, os mais velhos, os seus filhos e a berraria da criançada. O bairro dá cara e nome ao cidadão; as freguesias, cidadania ao merceeiro, ao sapateiro, ao bancário e ao talhante. Todos diferentes entre iguais. Não há cosmopolitismo sem proximidade, nem bairro sem cidade.

 
 
Querem um exemplo? No final da noite, um senhor, impecavelmente vestido (algo a despropósito para a ocasião), vem ter comigo e, num inglês de lorde, pede que o fotografe – chamo-me Benguet, A.J.P. Benguet, ao seu dispor. OK, vamos a isso – tirei-lhe a primeira foto:  

 
– Não, não quero assim. Espere um momento. Quero que me fotografe a brindar esta cidade de gente encantadora, quero que me fotografe assim:

 
 

Ora digam lá se esta Lisboa não é linda?

10 comentários:

  1. Um traje a rigor nunca vem a despropósito. Nem um brinde, nem uma pose enquadrada. Lisboa é linda, pois claro. E assim, trajada a rigor na noite de Santo António, fica ainda mais bonita...

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    1. Fica mais bonita, sem dúvida. Mas, sabes, quando ele enfatizou que se chamava A.J.P. Benguet, não pude deixar de pensar que estava a usar o conhecido humor britânico, referindo-se ao grande historiador de Oxford A.J.P. Taylor (Alan John Percivale Taylor) Ainda por cima com algumas semelhanças físicas, ora !

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  2. Paulo
    Lisboa é lindíssima. Mas precisa de ser "olhada", não apenas vista. E você olha-a...

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    1. Sou alfacinha de nascença, logo, são muitos anos a virar esquinas... :-)
      Obrigado, Helena!

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  3. Não vi "Lisboa no dia seguinte", pelas seis, a não ser pelos seus olhos, Paulo.
    E eu, que também sou alfacinha de nascença e de pertença, de alma e coração, e que por isso tenho por ela um amor desmedido, gosto ainda mais dela quando a vejo assim, desta outra maneira... E volto a apaixonar-me por ela!
    Linda, linda, linda! (Ou como diz a minha prima pequena que vive em Inglaterra: há cidades muito bonitas. E depois há Lisboa... ;)

    Beijinho :)

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    1. Deve ser a única cidade que conheço que consegue manter-se bonita mesmo esburacada...

      Beijinho :)

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  4. Você a virar esquinas e eu a virar frangos. Foi por aí que nos encontrámos!
    :-)))

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    1. E ainda bem! Já viu se fosse o contrário? :-))

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    2. TERESA PERALTAjunho 15, 2014

      Paulo: A sua arte fala por si e por todos nós, alfacinhas de gema e amantes desta cidade que "mesmo esburacada" (e já lá vão 3 pneus...) nos encanta. Folgo em saber que já esta agendado um novo encontro, desta feita, em homenagem às Festas da nossa Cidade. Maravilha!!
      Por mim, escolho já: quero sardinhas!.
      Beijinho :)

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    3. Então temos de tratar disso, Teresa :)

      (vou-lhe fazer chegando alguns espaços condizentes para escolher)

      Beijinho :)

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