© Paulo Abreu e Lima

domingo, 15 de junho de 2014

mulher

A nossa sociedade diz-nos que ser mulher é uma condição. Dá-nos poder de usufruto, de decisão e de escolha, de argumento e de opção. Há outras, em pleno século XXI, onde ser mulher é um desprezo volante. Onde a maternidade prevalece como uma precisão de continuidade, e onde tudo o resto é história, ou no mínimo submissão. A perpetração da violência contra as mulheres na Índia é um assunto escondido de mais. Surge entretanto quase como novidade, com números assustadores e casos pertinentes que acolhem por dentro inúmeras situações escondidas nos meandros de uma sociedade masculina, onde se compra, se vende, se viola e se violenta. A questão central, muito mais do que afirmações infelizes de quem está no poder, é a questão cultural. É o intrínseco, é o que percorre as entranhas de um País confundido, é o que escorre nas veias de um mundo à parte onde manda quem pode e obedece quem tem de obedecer. É por isso que as crenças, a fé e as tradições, são dos maiores poderes do mundo. 

Trabalhar ao contrário, a começar, começa tarde. Começa após anos de anulação feminina e de imposição masculina, avança na era em que a mulher já se tornou numa simples pertença, submissa à vontade de quem manda, surge depois de milhões de dotes, de remissões, de escolhas esquecidas e de vidas perdidas. É claro, terá de começar-se. Seria porém pertinente questionar o como antes de se actuar, pois como em tudo o que nos rege, o que interessa é o principio. Prover o País de uma segurança policial apertada, quando não se sabe minimamente a cumplicidade do agente ao sistema, pode não ser suficiente. Condenar uma parte das violações quando se permite a continuidade da compra de um corpo em troca de dinheiro ou bens, pode ser contraproducente. Dotar as habitações de recursos para que a mulher não necessite de se expor nua a céu aberto é pouco, quando dentro das famílias continua a ser importante que nasçam homens, as verdadeiras pessoas existentes. 

Mudar tradições é um dos caminhos mais longos do mundo. Entrava em cada esquina, esbarra em cada crença, estanca em cada corpo absorvido pela supremacia da força e pela brutalidade da condição. Assumir o problema pode realmente ser o inicio do caminho, mas intervir na educação será eventualmente a única forma de iniciar uma real reviravolta no sentido. Será? Aguardemos, com a solidariedade feminina que todas conhecemos. Estou com elas. Estou com todas elas sentidas na liberdade que lhes desejo.

2 comentários: