© Paulo Abreu e Lima

domingo, 1 de junho de 2014

os suspeitos do costume

(imagem retirada de Psicopatos)

Faz-me lembrar umas tantas coisas que oiço outras tantas vezes. Não sei bem onde fica o lugar que nos pertence, a nós, pessoas, ainda que possamos ser pais. O enfoque aqui vai para o masculino, mas o cerne da questão é mais abrangente e ultrapassa géneros, cada um com os seus motivos distintos ligados à evolução da sociedade, como o texto tão bem explica. E agora, onde fica o nosso espaço para além da paternidade e da maternidade? Permanece algures num sítio onde a culpa é dominante como a de um gene castanho e teimoso, onde o tempo que se rouba a um lado para se dar a outro adopta o castigo da falha, e onde o centro da vida passa ser um lugar externo para além do nosso corpo, mas que ao mesmo tempo, pela dimensão do sentimento, ocupa o lugar todo do interior. 

A maternidade e a paternidade são um papel ingrato por excelência. São a exigência de um contrabalanço permanente e rigoroso, são a lei do amor e da subsistência, são uma harmonia entre ser uno e dual, ao mesmo tempo e por tempos permanentes. E quem se preocupa com os adultos nestas exigente função? Pouca gente, muito pouca gente, até porque a vergonha de se pensar em si próprio quando se é pai ou mãe é demasiado pesada para a sociedade admitir, pelo que seremos sempre o fim inexistente de qualquer contenda. A questão central é a consequente (in)sanidade mental decorrente. É a conservação de uma identidade capaz de fazer chegar aos filhos o equilíbrio ideal, aquilo que tanto queremos e onde tantas vezes falhamos. 

Como tal, e quando me solicitam parecer no que confere ao assunto, recomendo sempre poucas leituras cientificas. Aconselho antes uma vivência alicerçada ao saber brilhante do senso comum, das mãos e dos olhos, sem balizas rigorosas impostas por especialistas empenhados no rigor da matemática, porque educar, felizmente, não tem compêndio de preceitos (muito embora haja inúmeras instruções). Indico sempre a preponderância do bom e do médio em detrimento da ambição do correcto, até porque a perseguição do perfeito acarta distúrbios gástricos impertinentes, más disposições e enxaquecas, excessivas preocupações neuróticas e destemperadas, eventualmente actos impróprios de tamanha condição. Toda a gente sabe que o equilíbrio de quem sustenta é parte considerável da estabilidade de quem recebe, é um reflexo importante, é uma continuidade principal. Daí que os pais e as mães devam, também eles, ser alvos de tolerância, e não sacos de pancada do mundo só porque ainda se acham gente, porque precisam de ver a bola ou de passar uma tarde de piscina e de sol, sem berros, gelados derretidos, e muitas bombas ensurdecedoras.

Os pais e as mães da evolução assumiram uma tarefa marcante. Resolveram centrar a sua acção nos filhos e na carreira, mas precisam ainda de ser pessoas, ou seja, necessitam de manter a sua importância e a da relação, querem a restante estabilidade familiar, servir jantares a amigos e ter cuidado com o corpo e com a alma. Para nossa salvação, sinto-me à vontade para vos dizer que têm direito a isso. As crianças crescem bem num ambiente normal, e não precisam de tudo. Precisam só de um quanto basta.

Winnicott sabia e dizia, aqui em favor dos filhos: sejam apenas suficientemente bons. Eu diria o mesmo, mas também a favor dos pais. 

4 comentários:

  1. Tão verdade, CF!
    Fui acusada muitas vezes ( de uma forma querida, claro! ;) ) de ser má para as minhas filhas, precisamente por definir essa fronteira de mãe / mulher o melhor que podia. Sempre senti que ser mãe não me podia ( nem devia! ) 'roubar' o meu lado mulher. É um equilíbrio difícil, mas possível e desejável. Penso mesmo que não há outra forma de ser feliz.
    Mas há uma coisa que me intriga muito. Se na minha geração já é uma luta conseguir esse equilíbrio, e muitas vezes ele é mal entendido, nas gerações mais novas é aflitivo ver a dependência dos pais para com os filhos.
    Em tom de brincadeira, mas também provocador, pergunto aos meus colegas que têm filhos pequenos quando namoram com as mulheres ... não me parece de todo que o façam. Estou a falar de pais que têm por volta de 30, 30 e poucos anos. Muitas vezes parece-me mesmo que a dependência vem de uma insegurança terrível.
    Mas não era previsto estarmos a falar de pessoas muito mais preparadas para vida ? Há uma contradição muito grande nas gerações dos 20 / 30 anos. Têm um lado independente excessivo, completamente contraditório com a dificuldade de resolução de problemas básicos do dia a dia.
    Um beijinho CF

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    1. Sabe Maria João, acho que o problema vem no seguimento do excessivo centramento na criança, após uma era onde o que acontecia era exactamente o oposto. Antes as crianças não tinham vontade, escolha, direitos, hoje têm tudo o que possamos imaginar. As próprias ciências da evolução centraram-se nelas com afinco e a reviravolta foi total. Eu acho que elas merecem, como não? :) Mas também acho que há um equilíbrio fundamental para que não se percam outras coisas importantes da vida. De que adianta a uma criança uma mãe cem porcento dedicada, atenta, excessiva, que colmate todas as carências do pequeno ser? Não adianta nada, ou melhor, prejudica. Transforma a mãe num ser frustrado e sem vida própria, e a criança numa pessoa com fraca tolerância à frustração e pouco preparada para a vida, que não é nada pêra doce. E ainda a achar que o mundo gira à sua volta, coisa que acaba quando se cresce. Resumindo, e como tão bem diz, é a questão do equilíbrio. Aquele local sensato, calmo q.b, apaziguador e compensador, que mora onde, sabe? Se sabe conte-me, conte-me tudo... :))

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  2. Se eu soubesse, a vida não ía ter piada nenhuma ;) ... espero continuar muitos e muitos anos á procura desse local! Não quero é esquecer-me de o procurar, isso não!

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    1. Isso Maria João. Continuemos, para bingo... :))

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