© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

O tempo do amor

Quantos quilómetros de caminho sinuoso é necessário percorrer para concluir que afinal nos enganámos? Quantos tombos e escorregadelas? Quantas pedras no meio do troço teremos de remover? Quantas silvas, espinhos e cardos precisamos evitar? Quantos desentendimentos por desfazer, choros por verter, lágrimas por enxugar? Quantas tréguas e pazes por fazer? Quantos mais mal-entendidos por desmanchar, ciúmes por resolver, gritos mudos por dar? Quantas noites em branco, náuseas e comprimidos por tomar?

Nestas coisas, como em outras, o tempo tem um tempo sensato: o tempo do amor. Mesmo demorando, tanto pode acabar com um olhar, como terminar na eternidade. É como uma espécie de cláusula de salvaguarda. Acaba quando tiver de acabar, mas previne que acabe com um outro tempo. O da vida.
 

15 comentários:

  1. Quando amamos, nunca estamos enganados.

    - Quando é que duas pessoas que se se amam, mas não se entendem, devem terminar?
    - Nunca...

    ( Julia Roberts e Brad Pitt, exactamente por esta ordem, no filme A Mexicana. Ou uma tentativa completamente falhada e ambiciosa de chegar ao teu you've got mail...sorry :))

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    1. No amor os enganos são inumeráveis. O Brad Pitt estava sóbrio quando disse isso?

      (Já me alertaram que essa série não é nova, há quem tenha feito semelhante muito antes de mim, nada de desculpas, portanto :)

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  2. Estas perguntas não têm uma resposta. Têm muitas.
    Penso que muitos de nós já as fez e em alguns casos já lhes deu resposta. Noutros não.
    São perguntas que surgem para qualquer tipo de amor em diferentes fases da vida.

    Quanto ao tempo sensato ... acho que se aplica muito bem se falarmos de amor entre um homem e uma mulher.
    Mas se essas perguntas nos surgem por outro tipo de amor, como por exemplo mãe-filho, ou avô-neto, será que o tempo do amor é um tempo sensato?!
    Não me parece. O tempo do amor, nestes casos, é a vida. E estas perguntas são demasiado dolorosas para durarem uma vida.

    ( a música é muito bonita , Paulo )

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    1. O sofrimento é inequivocamente amar um filho, um pai, um irmão, um avô, uma mulher, dentro do tempo sensato (o tempo do amor) que pode durar uma vida, mas que não deve acabar com ela. Acho que estamos de acordo se dissermos que amar é sofrer enquanto durar o amor. E mesmo nos laços de sangue o tempo do amor, por mais terrível que possa parecer, pode acabar antes da vida. Morrer por amor, não é amor, é outra coisa :(

      (também a acho, Maria João)

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  3. Amor é pensar no ente amado todos os dias.....mesmo a kms de distância.....mesmo separados.....

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    1. Sim, claro, mas não é só pensar. É sobretudo querer bem, a sua felicidade, o melhor do mundo.

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    2. Pensar= a preocupar-se, a desejar a felicidade do outro, estar ao dispôr numa emergência, fazê-lo saber que pode contar comigo, mesmo ao longe!

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  4. Gosto deste post, Paulo, gosto muito. Gosto desta formulação: "o tempo tem um tempo sensato", mas eu usaria o plural. O amor são muitos amores, nunca há dois iguais. Amor rima com dor. E não nos enganamos. Tudo terá, talvez, um tempo certo de acontecer. Ao ler isto, lembrei-me inevitavelmente de Vinícius, do soneto da fidelidade "De tudo ao meu amor serei atento/ antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto
    Dele se encante mais meu pensamento (...) que eu possa dizer do amor que tive/ não que seja imortal posto que é chama/ Mas que seja infinito enquanto dure" ou de uma canção "como dizia o poeta" - Que já passou por esta vida e não viveu/ pode ter mais mas sabe menos do que eu/ Porque a vida só se dá pra quem se deu/ pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu".
    Ah, os poetas, sempre eles, conseguem sempre dizer tão bem o que sentimos...

    Beijinho :)

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    1. De facto, Isabel, os bons Poetas são certeiros...

      Beijinho :)

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  5. Paulo
    Será que quem ama faz essas perguntas?!
    Só as faz depois, no tempo em que ainda acredita que não deixou de amar...

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    1. Helena,
      Será que quem é devoto, tem fé, ama Deus, faz estas perguntas? Claro que sim.
      Tal como na Fé, pôr em causa o que sentimos no Amor é sinal de cuidado, de preocupação. Mesmo quem termina uma relação, pode não acabar com o tempo do amor. Há quem ame por uma vida.

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  6. "Outra coisa”, para lá de tudo, que neste caso é nada – fragmentos de um diálogo mais que final

    Ela, com a voz enrouquecida, articulando as palavras com dificuldade – Por que agiste assim comigo? Nunca pensei que me odiasses tanto. Foste tão pérfido comigo. Pára com isso. Não posso admitir que fales por mim. Que digas que eu nunca te amei. Isso não é verdade, não podes forçar-me a dizer mentiras.

    Ele, em tom gélido, fixando a janela – Se me amasses, se algumas vez me tivesses amado não tinhas agido como agiste. Não foste sincera, andaste a gozar comigo durante este tempo.

    Ela, entre lágrimas e respirando ainda com mais dificuldade – Sabes que não foi assim, porque me torturas? Há dias que andamos nisto, eu tento conversar contigo mas só recebo censuras, repreensões, culpas, berros, é um massacre! Não te sentes melhor, agora que me "castigaste" de uma forma tão cruel que eu julgava impossível?

    Ele, olhar de águia, o corpo parecendo ainda maior, aproxima-se do sofá onde ela está sentada – Achas que agiste bem? Sinceramente?

    Ela, dobrando-se, despenteando os cabelos, tenta gritar – Não faças isso, por favor, continuas a massacrar-me. Chega, já fui suficientemente penalizada, não achas?

    Ele, afastando-se – Perdeste a tua dignidade. Só a podes reencontrar na morte.

    Ela, abrindo muito os olhos - O quê???

    Ele - Sabes que é verdade. Tu, uma miudita, pensaste que eu era tão básico, mas tão básico que podia ser usado assim. Tem piada. Agora já não podes cair mais do que caíste. És um monte de estrume. (aproxima-se do rosto dela).

    Ela – Vou-me embora.

    Ele, gritando – Pensa bem no que vais fazer. Lembra-te de que depois disto não tens qualquer direito a viver.

    Ela fecha a porta, corre pelas escadas, corre pelas ruas até encontrar um táxi livre. Ignora o telemóvel que toca, ignora as sms, tenta esquecer, quer dormir, quer muito dormir.

    Que fazer quando se ignorou o auto-respeito, a lucidez e só a bruma e o silêncio nos inundam (se as palavras raivosas devem parar e tudo o resto já parou há muito tempo?). Que se pode fazer depois de forçarmos o tempo e as nossos seres? Para onde foi aquele tempo que, por engano, gastámos "naquilo"? Por onde andarão os pedaços daquilo que fomos?


    Clara

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    1. Clara, este diálogo, tão comum em situações limite, não denota desamor. A raiva, como o ódio, são o reverso do amor, não a sua ausência.
      E sabe o que mais? As palavras mais fortes, as acusações em cima, revelam apenas fraqueza, inabilidade para lidar com a situação ou, melhor ainda, pretendem atingir fundo o outro pelo desconforto que sente. Pode não ser o "diálogo mais que final" (geralmente, este ódio não acaba aqui), mas foi certamente um duro golpe no relacionamento de ambos. Isto de deteriorar o amor devia ser criminalizado. Ninguém devia sujeitar-se a isto, nem o agressor.

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  7. A mim parece-me que a forma como acaba é decisiva...e deve acabar com dignidade mesmo que a desilusão do outro nos traga amargura, há que preservar respeito pelo outro e por nós. Por isso a melhor forma de acabar é quando ninguém ainda traiu o outro, é acabar por si próprio.
    ~CC~

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    1. Isso seria o ideal, mas geralmente acabamos por trair sempre. Se não o outro, nós próprios... com a maior das dignidades, sempre.

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