© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

forças

Tenho muito medo de ficar velha, mas não é de mim é dos outros. Assusta-me a incapacidade de cuidar do meu corpo, mas não é por mim, é por quem cuidará (se for preciso cuidar). Receio a fragilidade física e mental porque em ambas surge a dependência, e eu resido num mundo onde a necessidade é um lugar comum mas doloroso, não sei se existe sujeição subordinada a uma outra forma de estar (eu pelo menos desconheço). Viver por dentro do sistema é terrível em termos de consciência. Olhar para o velho que toca cem vezes na campainha antes que o atendam, sentir o desespero do doente que precisa da muda que nunca mais chega, perceber a impotência da senhora que tirita de frio, sem conseguir que a agasalhem, é assustador. Não me apraz de forma alguma suplicar pela ignorância protectora. Não me cabe a mim reorganizar o mundo e as suas precisões, diagnosticar-lhe as urgências e remendar os furos, encher as pessoas de zelo por que carece e de cuidado por quem necessita, mas julgo que caberá a quem povoa os meandros utilizar os meio que possui por forma a sensibilizar quem pode, sobre o lugar de quem não pode. Porém cada vez mais sinto que o poder está sempre muito mal entregue, já nem sei se por azar, se por reflexo de abrangente incompetência. E por isso permanece-me o medo, um agente supostamente potenciador de mudança, eventualmente mais fraco do que a violência da realidade. 

4 comentários:

  1. O meu tio tem Alzheimer. Ficou internado no hospital uns dias e sem que ninguém desse conta, conseguiu fugir. Andou três horas perdido numa cidade europeia muito fria, com um pijama fininho. Ninguém estava por perto a tentar ajudar quando foi encontrado.

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    1. O Alzheimer é de facto assustador, Mãe Sabichona. Mas há muitas outras, acredite... Em termos de dependência, tão assustadoras quanto essa... E por vezes, muitas vezes, quem poderia ajudar não ajuda... :(

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  2. Compreendo muito bem este seu post. O meu irmão mais velho, um homem culto e interessado, com uma vida social e intelectual riquíssima, em consequência de um AVC não fala e está, há seis meses, paralisado do lado direito. A mulher, três anos mais velha, tem Alzheimer em estado avançado. De repente uma família harmoniosa viu-se na dependência total de terceiros, sem que estes percebam sequer se são, ou não, reconhecidos. É um quadro assustador e cada vez que os visito estou uma ou duas horas num frangalho. Depois arrebito e recomeço.

    Bjo

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    1. A dependência sempre me assustou Helena, devo assumi-lo. Sei exactamente o porquê, mas a verdade é que esse conhecimento não me ajuda nada a aceitá-la como uma possível consequência da vida... Chegarei a essa aceitação? Não sei... Conheço quem desde cedo se entregue a ela e também quem nunca a acolha, nem mesmo quando, consciente, precisa dos outros para o mais básico da vida...

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