© Paulo Abreu e Lima

domingo, 18 de janeiro de 2015

imaginação


( A Metamorfose de Salvador Dali. Imagem retirada do Google)

Quanto mais entro na mente humana mais compreendo que o corpo lhe responde com uma submissão precisa e exacta, totalmente condicente com as nossas necessidades securizantes de conforto. O "nada é por acaso" surge-me cada vez mais como uma verdade quase absoluta, somente refutada por uma casualidade própria da existência, há quem lhe chame sorte, há quem a apelide de azar, há quem a considere um pormenor quando a situação envolvente não traz carácter suficientemente específico e definitivo. Compreender as nossas respostas é uma necessidade que há muito preocupa o homem, e já no Século IX os filósofos centrados na fenomenologia desenvolviam esforços concertados em perceber a forma pela qual percebíamos as nossas razões, as nossas limitações, as nossas vivências e os nossos sentires. O que aparece na nossa consciência é uma incógnita do corpo para fora, o que coloca a minha profissão num lugar delicado e extremamente frágil. A minha vontade suprema e eventualmente egoísta de ler o outro é um lugar impossível de encontrar. A minha intenção de partilhar o que sinto com quem me escuta é o sonho consciente e alienado, numa confluência perfeitamente comum em quem pensa, insistentemente, num lugar onde nunca irá chegar. Salva-nos a imaginação, oiço dizer, e fico, exactamente numa mesma medida, satisfeita e assustada, ao perceber de imediato que quem me imagina está muito mais presente do que eu quereria que estivesse, muito mais longe do seria permitido pelo verdadeiro conhecimento entre pessoas, completamente afastado de uma consciência social. A intersubjectividade surge-me apenas como um bálsamo quente, uma dádiva divina sobre um território muito mais sagrado, uma confiança quebradiça numa dualidade que precisamos para sermos, mas que nunca conseguiremos alcançar. Confuso? Não diria. Chamo-lhe apenas trajecto sem fim, a mais desafiante de todas as minhas vitórias. Nunca lá chegarei. E por causa disso, confesso, jamais conseguirei parar de imaginá-la. 

15 comentários:

  1. Imaginação ou aspiração...? Qualquer uma delas poderá ser inatingível, mas certamente uma será mais estimulante do que a outra e, mesmo que mais delicada, poderá ser mais eficaz.

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    1. Certamente as duas, em parceria. Um desejo de ter e saber, uma construção imaginada do que o outro é, uma compreensão subsequente... No fundo o que nos é possível enquanto seres individuais e únicos no mundo. As teorias da percepção são fabulosas, não achas? Tornam tudo possível e verdadeiro, ou seja, transformam a norma num mero guião de acção. Gosto tanto disso... :)

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    2. As teorias da percepção são fabulosas, sim, mas, cá para nós, são igualmente tão falhas... Pragmático como sou (ou ansioso, mais adequado), preferiria uma ligação USB ou HDMI entre os cérebros... :)

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    3. Percebo-te... Mas estaria a humanidade pronta para lidar com o oculto que o outro guarda? Olha que não, olha que não... Bem vistas as coisas, e por vezes, até as nossas próprias verdades fazem doer... :)

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    4. Verdade. Se nas tentativas de percepção a frustração pode fluentemente ocorrer, no caso da identificação imediata do oculto do outro seria como abrir a caixa de Pandora. Isto em termos meramente pessoais, porque se profissionais, o desafio seria inexistente e a tarefa totalmente mais facilitada, digo eu... :)

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    5. A humanidade está estupendamente bem feita, Paulo... Em termos pessoais temos a nossa caixa de pandora para compreender, que já de si é de um mistério sem fim. A do outro, terá sempre de ser do outro, um lugar aspirado e imaginado por outros, mas sempre sempre só do próprio... De resto, o pleno conhecimento seria sempre uma morte do ânimo, e isto, em termos pessoais e profissionais. Olha um lugar onde tudo soubesses e em que nada te faltasse conhecer... Olha que não será bem essa a noção que tens de paraíso... :)

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    6. Perfeito, mas no plano meramente profissional, perceber na plenitude o outro seria bem mais fácil na hipotética ajuda. claro que o desafio seria menor, ou daí talvez não. O manancial de conhecimento era tão grande que só a sua filtração era um cabo dos trabalhos... :P

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    7. Com certeza. Só no campo da saúde mental, necessitaríamos de compêndios gigantescos onde pudesse caber tudo... Mas no fundo, e bem vistas as coisas, apesar de eu saber, estudar e considerar a individualidade, o grosso da essência que nos regulamenta por princípio será, digo eu, toda ela muito parecida. O que muda são os cenários, os interlocutores, a hora do dia ou da noite, a disponibilidade e a necessidade. Ou seja, a individualidade, acaba por ser um intercâmbio e um resultado de agentes, interiores e exteriores... :)

      Desculpa, já ia ligada ao turbo e engrenava já a nossa conversa por caminhos sem fim à vista... :)

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    8. Ora, a ideia é exactamente essa... LOL

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  2. Carla
    Li o texto duas vezes e peregrinei pelo vosso diálogo. Julgo que, por muito que queiramos partilhar com o outro, ou os outros, o que sentimos, há sempre uma reserva de que jamais abdicamos. Mesmo que de forma inconsciente.
    Interessa-me, preciso, de conhecer o outro e de me dar a conhecer? Faço disso o meu percurso? Reflectindo seriamente, diria que não.
    O que realmente me interessa é conhecer-me, ser minha íntima. O que é difícil, confesso.
    Conhecer o outro? Dar-me a conhecer ao outro? A ambas as questões responderia que sim, mas apenas na medida em que isso tivesse reflexo no conhecimento de mim própria.
    Egoismo? Não sei. Mas sei que as pessoas que quero conhecer dependem muito de eu querer ou não "dar-me a conhecer"...

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    1. Helena, percebo perfeitamente o que diz... O conhecimento de nós mesmos é o nosso maior desafio, a compreensão do que sentimos, a consciência do que tememos, a capacidade de escolhermos em clarividência, o que quer que seja... O outro vem sempre depois, e depende, sim, do que queremos mostrar. Mostrar tudo a toda a gente seria um risco tremendo, mostrar o que queremos, quando queremos, faz de nós, ligeiramente, manipuladores... :) Brincadeiras à parte, a verdade é que quem trabalha directamente com a mente, tem destes devaneios... Como entrar onde não estamos? Como compreender o que não sentimos? Imaginamos, é o que nos resta... Com o contrabalanço do outro, pois então...

      Um beijinho para si.

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  3. Como compreender o que nao sentimos? Como fazer com que os outros nos compreendam, se o sentir é só nosso?
    Será que o que eu vejo e sinto é parecido com o que o outro vê e sente?
    Sao algumas perguntas que tenho sempre presentes. Juntamente com muitas outras...;)

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    1. Começa tudo ainda antes Maria João, digo eu... Como compreender o que sentimos, é por si só um enorme desafio... Daí em diante há um risco de engano cada vez maior, e daí a imaginação ser um único recurso. Mas falível, claro que sim...

      Um beijinho para si.

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    2. É verdade CF. Mas acho que tenho mais tendência a gerir o que sinto que propriamente a tentar compreender. O que sinto, sinto.
      Tenho mais preocupaçao em compreender o que os outros sentem diferente de mim.
      Se calhar estou errada. Nao sei.
      Beijinho

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    3. Não há erros na sobrevivência, há adaptação... Eu, pela parte que me toca, preciso de compreender-me. E quando não consigo, acredite, é uma carga de trabalhos... :)

      Beijinho

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