© Paulo Abreu e Lima

domingo, 1 de fevereiro de 2015

os limites do pôr-do-sol

Os limites do bom senso são uma linha impossível de encontrar. Falamos neles como um equilíbrio regulador da acção, claramente subjugado à situação em questão, obviamente condicionado pela visão de cada um. O que para mim constitui uma juízo correcto e uma prática comum, pode ser um exagero para alguém distinto de mim, por se reger certamente por um identidade mais rigorosa, ou no mínimo mais cautelosa. A evolução das sociedades leva por vezes rumos assustadores com o excesso de informação e de formação. Nada me faz crer que a quase morte da espontaneidade não nos seja danosa, pelo contrário, julgo que nos causa uma espécie de dependência prejudicial ao Eu enquanto ser individual, distinto do ser social. As nossas competências em potência nascem connosco no berço. Aprimoram-se ao longo dos anos e desenvolvem-se efectivamente quando a situação nos permite o confronto com a realidade. Os pais de hoje aparecem-me atentos, vigilantes, muito distantes da minha mãe. A minha mãe sabia que eu voltava ao pôr-do-sol, e sabia que havia poços na rua e carros na estrada. Mas confiava em mim e no bom senso que me tinha dado, logo colocava-me a um nível interno superior; a crença dela transformava-se na minha crença, e a liberdade e a capacidade cresciam ali. Calcular riscos pode bem ser uma coisa assustadora. A ínfima percentagem que nos indique perigo pode assumir-se como um susto valente que faz nascer a vontade de guardar os nossos filhos até ao limite da razoabilidade, mas com riscos importantes para o crescimento, não há nada a fazer. O que preferimos, surge a questão? Crianças confiantes e seguras que enfrentem adequadamente o perigo da rua? Ou crianças tímidas e assustadas, reflexo de um excesso de zelo incutido por uma carga de protecção excessiva? Dá que pensar, ambas as perspectivas podem acartar problemas, e o sentimento de culpa é um lugar que ninguém quer. O equilíbrio foi ferido de morte com a evolução da cultura, e hoje encontrá-lo é uma miragem no meio de um deserto. É claro que as crianças dos países desenvolvidos residem hoje num mundo virado a elas, atento, cuidadoso. O lado bom desta evolução fica porém perdido na insegurança dos pais e das pessoas em geral. Teremos por certo consequências, atrevo-me a dizer.

4 comentários:

  1. Penso tantas vezes neste assunto. Estou certa que as consequências serão cada vez mais visíveis. Tenho tido uma postura contrária com o meu filho, adequado à idade dele mas não minto que de vez em quando sinto um arrepio na espinha. Parece que estamos a escolher entre riscos físicos e sanidade mental. Quem está à volta também tem dificuldade em compreender tudo isto, como ir com ele a um grande jardim ou ao supermercado e haver quem se aproxime do meu filho e pergunte "estás perdido?". Os meus olhos seguem-no, obviamente, mas algo tão simples já é tão impensável ao resto do mundo e vem aquele sentimento de culpa de que se algo acontece, não só não me perdoaria como tudo me iria cair em cima.

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  2. Ora aí está. A culpa é o maior peso do mundo. Fugir dela é uma tendência, mas no caso em questão julgo que se excede o razoável. A sociedade exagera e nós acabamos por ir no turbilhão. Pagarão os nossos filhos a factura, um dia mais tarde...

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  3. Podemos educar para o risco e para a aventura ou para a segurança e protecção total, nunca se pode é prever o momento em que os nossos filhos ou netos vão estar no sítio pior, na pior altura...
    Apanhei vários sustos na minha vida por imprevidência e fiquei traumatizada durante anos por ter sujeitado outros a riscos desnecessários. Nunca mais voltei a conduzir, por exemplo.
    O que me aconteceu com a minha filha, porém - a CF sabe do que falo - surgiu de repente, sem que ninguém pudesse evitar ou mesmo prever e já se repetiu. Graças ao destino, ou a pessoas casuais, ela foi poupada a conseqüências mais trágicas.
    Para mim, todos os dias são dias de risco....e todos os dias são dias em que escapamos ilesos.

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    1. A vida é realmente feita de riscos Virgínia, e os traumas podem surgir. O desafio é ultrapassá-los, acredite que é possível, porque não tenta? Quanto à sua filha, julgo que teve a sorte de ter uma boa família, o que é uma bênção sem tamanho. Pudéssemos, e roubaríamos aos filhos todos os males. O que transformaria as mães numas mártires imensamente felizes...

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