© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 12 de março de 2015

Das Leituras

Estou a ler "Parerga und Paralipomena - Kleine philosophische Schriften" de Arthur Schopenhauer, com tradução para Inglês de E. F. J. Payne. Mais de mil e quinhentas páginas divididas em dois volumes. Assustados? Não estejam, vale a pena. São cerca de trinta ensaios sobre os mais variados temas. Da escrita à leitura, da religião ao suicídio, da teoria das cores à política. Depois de "O mundo como vontade e representação", esta é sem dúvida a obra onde ele melhor expressa o seu pensamento filosófico. No segundo volume, no ensaio "Sobre a leitura e os livros" (Über Lesen und Bücher), Schopenhauer é implacável com aqueles que denomina por leitores compulsivos. De cor e salteado, com tradução minha, escreveu: ler, sem pensar no que se leu, não vale de nada; da mesma forma que o que alimenta o corpo não é o que se come, mas o que se ingere, e nem tudo o que ingerimos é aproveitável, ler sem pensar é reproduzir o que outros pensaram, é ocupar ausente uma arena de pensamentos alheios. Sobre estas palavras podia referir certos ratos de biblioteca que sobre tudo e sobre nada aperaltam as suas rasas ideias com citações e outras referências que mais não são do que um exercício de exibição de basta sabedoria – alheia, lá está – para a plateia. Tudo com a devida gravidade e aplomb. Podia, mas não desenvolvo, todos conhecemos alguns espécimes com denodados fetiches exibicionistas. O que realmente me ocorre é o actual estado da nossa indústria livreira mai-lo poderoso marketing (muitas vezes, estrangeiro) que encaminha leitores ávidos mas passivos para "obras" medíocres, para não dizer lamentáveis; só porque sim, porque estão na moda, 'é bem' falar delas e vendem como pão quente. Gosto de ler um bom livro, sou até capaz de voltar a ele mais do que uma vez, mas o tempo é fraccionável, não é multiplicável, e entre uma boa leitura e uma boa conversa, uma boa viagem, uma boa sessão de fotografia, bem podem os livros esperar apinhados.

20 comentários:

  1. E eu vou lendo, há mais de 2 anos, intermitentemente, o mesmo Arthur Shopenhauer com o seu 'O mundo como vontade e representação'.
    Gosto de ler um bom livro.
    Gosto de saber que não sou a única.

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    1. É pesado, Uva. Muito mais do que este. Cada oração é para deglutir, salvo seja :)

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  2. Parece ser muito interessante.
    Gostei e concordo plenamente com a parte que o Paulo fez o favor de nos oferecer traduzida.
    Quando não gosto de um livro, desisto. Não me interessa quem seja o autor, nem o livro, e se são, ou não, famosos. Um livro tem de me passar uma mensagem sobre a qual eu fique a reflectir.
    Há livros, aos quais, também eu volto mais que uma vez:)

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    1. É isso mesmo, CQMT, um livro deve abrir novos caminhos, novas possibilidades de visão e, principalmente, parecer um ser vivo ao qual se pega, acaricia e se matam saudades com sucessivas releituras :)

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  3. Sem ter lido essa obra de Schopenhauer, filósofo que menorizava as mulhres, apesar de ter nascido do ventre de uma, julgo que ele e você têm toda a razão!

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    1. Helena,
      Mesmo sabendo que ele era misógino, além de pessimista e carrancudo, não entendi exactamente o que quis dizer.

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    2. 1. que uma boa conversa com uma pessoa vale mais que um bom livro ou um bom disco
      2 . que ler sem pensar acrescenta pouco ao próprio e aos que o rodeiam
      3. que depois do verbo amar, pensar é o mais importante
      Fui agora mais clara?
      Abraço

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    3. Claríssima :-)
      Mas vou explicar porque fiquei perplexo ao abordar a misoginia dele: nesta obra, um dos trinta e tal ensaios é exclusivamente sobre as mulheres, onde diz "pérolas" como estas:«Só é necessário se ater à forma da mulher para notar que ela não foi criada para grandes trabalhos laborais, seja intelectuais ou braçais. Ela paga a sua dívida na vida não pelo que faz, mas pelo que sofre; pelas dores do parto e cuidados pelas suas crianças, e pela submissão ao seu marido, ao qual ela deve ser uma companheira paciente e animadora. Não é destinada aos maiores dissabores e alegrias, nem se requer que ela demonstre grandes esforços. A vida para ela pode fluir de maneira mais suave, pacífica e trivial do que a do homem, sem que ela seja essencialmente mais feliz ou infeliz.»

      No fundo, não muito diferente dos livros do Estado Novo aqui em Portugal, só com uma pequena mas relevante diferença: ele viveu na primeira metade do século XIX, em que quase todos admitiam a escravatura como natural. Ou seja, apesar dos seus pensamentos filosóficos se manterem fruto de estudo, nunca esquecer o contexto da época. Napoleão, esse apaixonado, dizia que às mulheres faltava classe e por outros exemplos fora.

      Abraço

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    4. Apesar do contexto da época o Padre António Vieira, no seu tempo, insurgiu-se contra as injustiças. O filósofo credibiliza-as!
      Que mãe terá ele tido...

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    5. O Pe António Vieira devia ter sido canonizado (defendeu os indígenas brasileiros, a abolição da escravatura e os mais fracos).
      Tanto quanto li, Schopenhauer teve uma relação muito complicada com a sua mãe pela vida "mundana" em que se movimentava enquanto novelista depois do suicídio do seu marido, pai de Schopenhauer. Contudo, já no fim da sua vida, terá dito que nunca se pronunciou sobre as Mulheres fora da sociedade de então, acreditando mesmo que fora dela, teriam mais sucesso que qualquer homem, enfim. A Psicanálise freudiana encontra fundamentos na Filosofia da Vontade de Schopenhauer. Este tema é muito vasto, mas não pense que corroboro as ideias dele sobre as Mulheres, era o que mais faltava. Como de resto sabe.

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    6. Sei o que pensa de nós!
      Mas foi por filósofos destes que decidi fazer análise pós freudiana... E com um analista de excelência que ajudou a produzir esta "obra prima"....
      Gaba-te cesto, que é vindima!

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    7. A vindima ainda tarda, pode gabar-se à vontade :-)

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  4. "Ler sem pensar no que se leu não vale de nada", decerto, mas pelo contrário ler pode ajudar-nos a viver melhor, porque ler modifica-nos, na medida em que não é mera fuga, ou distracção; é também pensar, digo eu.
    Ler não pode substituir- se à vida, claro, mas faz parte dela. E, "com jeitinho", consegue-se ter tempo para (quase) tudo...

    Beijinho :)

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    1. Depende do que se lê, Isabel. Pode ser mera fuga e distracção, como pode ser ponto de reflexão. Também depende do leitor e do seu "momento"... Quanto ao tempo, esse é mesmo implacável, não chega para tudo. Daí a importância da escolha de um bom livro, penso eu.

      Beijinho :)

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  5. Descobrir e desenvolver as próprias capacidades é e será sempre mais gratificante do que acumular histórias e citações de outros autores. Pensar pela própria cabeça é, no entanto, e cada vez mais, um desafio e uma proeza, entorpecidos que estamos por tanto estímulo e ruído à nossa volta. Ainda assim, quem busca a verdadeira essência das coisas tem de refletir sobre elas. E vivê-las na primeira pessoa do singular. O escritor pode partilhar a sua sabedoria num livro, mas não pode emprestar a sua inteligência e compreensão do mundo. Também o pintor pode deliciar-nos com os seus quadros, mas não nos pode emprestar o seu entendimento estético. Sem reflexão também não há sentido crítico. Hannah Arendt, que desenvolveu o conceito da “banalização do mal”, estudou a personalidade de Adolf Eichmann e concluiu que este homem, responsável pela deportação de centenas de milhares de judeus para os campos de concentração, era, na verdade, um homem comum, incapaz de pensar por si próprio.

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    1. Certeiro o exemplo de Adolf Eichmann! Quem não pensa e apenas "lê" (obedece) os outros, sendo estes maus, pode ser bem pior. Lembrou-me outro caso lateral: um trabalhador não deve, nem pode, obedecer a ordens ilegais da entidade patronal, mesmo que queira agradar. Todos nós temos obrigação moral e ética de pensar pela própria cabeça, caso contrário, somos nada ou somos ainda piores do que o original :)

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  6. Leio sempre....mas nem sempre leio para reflectir. Há dias li O Mandarim de Eça de Queirós que já tinha lido aos 16 anos e adorei a experiência.É um livro que faz pensar e muito. Depois li Still Alice sobre a doença de Alzheimer e gostei muito porque o problema me preocupa e penso que todos devemos saber mais sobre o assunto. O livro é magnífico. Neste momento estou a ler a bio de Stephen Hawking, mais por curiosidade e distrai-me imenso da TV e informação em geral. Tenho muito tempo para ler, nem sempre tenho é paciência. Mas o Kindle é fantástico, ajuda a ler.

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    1. Desses três, só não li Still Alice (embora esteja bem esclarecido sobre esse flagelo). Sou de opinião que no futuro próximo os Kindles e outros vão substituir bibliotecas e os livros, enquanto objectos, vão apenas permanecer enquanto objectos de estimação ou de decoração. Com pena, ou sem ela, é a vida...

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  7. Schopenhauer antes ou depois dos Upanishads? A leitura é completamente diferente, antes ou depois . Sendo que são essenciais. Se ainda não leu, junte. Vai ver que é mesmo importante.

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    1. Filipa, desde "O mundo como Vontade e Representação", salvo erro de 1820 (tinha ele trinta e poucos anos), que todo o seu pensamento filosófico está profundamente imbuído pelos escritos sagrados Hindus. O "antes" é diminuto em relação ao "depois dos Upanishads. Todo o seu pensamento foi a confirmação do que já alguém houvera escrito há milhares de anos no Oriente e na Grécia Antiga (Platão).

      (Não deixa de ser curioso a abordagem de uma George Sand à Filosofia da Vontade de Schopenhauer...)

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