© Paulo Abreu e Lima

sábado, 18 de abril de 2015

dessintonias

Preciso de me retirar do mundo e começar a escrever um trabalho forte. Preciso de encontrar o rigor dentro dos meus dedos, a imaginação a brotar-me dos olhos, a técnica a desviar-se para o caminho concreto, coisa difícil, quase impossível nos dias que correm. Tinha pensado que era hoje que me dedicaria à tarefa. O dia está cinza claro, nem muito quente nem muito frio. A janela está bem aberta e a gata repousa numa almofada do chão, nunca percebi a delicia que encontra perto do azulejo gelado. A televisão velha descansa, não há séries pachorrentas que me despertem, parece-me que o cenário estaria perfeito. Penso um pouco sobre o assunto e descubro que o problema está no frango assado do almoço, com a sabor a sumo de limão. Nunca soube comer frango de faca e garfo, preciso de o lascar com as mãos, depenicá-lo devagarinho, lamber o molho dos dedos, esfregá-lo no pão. Depois disto o meu corpo esgotou. Infelizmente para mim não sou pessoa para conseguir vários registos numa mesma tarde, e portanto hoje restam-me sestas, pequenos devaneios, deleites diversos e muito descanso. Para trabalho a sério terei de começar com uma sopa áspera de nabiças. Ou com uma madrugada precoce, um banho gelado e um café forte. Cada vez preciso mais de estados de entendimento, e este mundo que eu conheço está cada vez mais repleto de dessintonias. Vejo-me à rasquinha para sobreviver.

11 comentários:

  1. Eu para sobreviver com alguma sanidade mental ( aquela que eu acho suficiente, claro! ) só tenho uma forma. Faço pausas ... pausa das pessoas, pausa nas obrigações, pausa dos problemas ... nunca é completa, mas o quanto basta para não esgotar.
    Parece simples mas não é. Nada é simples. E se há alguma coisa que me esgota é mesmo o nada ser simples... o mundo é tão belo e a nossa vida tão curta que eu acredito que tudo devia ser simples. Já escrevi a palavra simples vezes demais :( mas é mesmo por ela que eu luto todos os dias.
    CF se me permite um comentário ao seu post anterior, quer a CF quer a sua avó têm razão. Mas o pensamento da sua avó é muito mais optimista e muito mais amigo da vida simples. :)

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    1. :) Tem razão, Maria João, quanto ao que diz da minha avó. A verdade, a única verdade, é que a minha avó era mágica... E eu, com pena minha, não lhe chego nem aos calcanhares. Nesse campo e em muitos outros...

      Beijinho e bom fim de semana. Simples, se puder ser... :)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Para mim, mais do que um gosto, é uma necessidade. Uma condição de funcionamento... :)

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    2. Esse café da manhã aproxima-nos. Também eu preciso de um banho bem frio e de um café forte antes de enfrentar um novo dia de trabalho duro!
      Bjo
      PS Eliminei o anterir comentário porque deixei passar um erro de português. Repeti já correctamente escrito!

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  3. Se calhar, há quem esteja cada vez mais sintonizado e por isso mais distante deste mundo...

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    1. Não sei se será distante, se desfasado... A verdade é que o mundo não é sintónico connosco. Ou é muito raramente...

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  4. É sábio escutar os sinais do corpo. É sábio obedecer aos seus apelos e deixar-nos levar pela simplicidade regeneradora da satisfação das suas necessidades. Às vezes, é necessário manter-nos na orla e arrancar um compasso de espera à lufa-lufa (gosto desta palavra!) dos dias.

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    1. Lufa-lufa, conheço bem... :) Escutar o corpo é, mais do que sábio, essencial. Se não pensarmos nisso nem contemplamos os sinais que nos dá. E são tantos Miss Smile...

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  5. Há dias em que sou, por natureza, obrigada a trocar os calhamaços pelas árvores do caminho. Seria uma delícia se não fosse condenado. Compreendo-a. Haja alimento. Para o corpo e para a alma.

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    1. Isso, Grão de Milho. A condenação é que deveria sempre ficar de lado...

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