Por estas terras permaneço tranquilo, compenetrado, como a cegonha lenta no alto do choupo morto a tecer o ninho, oiço os líquenes a verter pelas pedras e a poeira assente pelos reguengos. Acordo às quatro da madrugada quase todos os dias, arranjo-me, sorvo uma malga de café indiano e saio porta fora pela estrada. Persigo o Sol que ainda não acordou, os pássaros que ainda repousam em manchas escuras nas azinheiras e as salamandras húmidas e solitárias que voltam às luras dos pequenos carreiros. Por vezes a calma é um bem escasso, muito valioso numa cabeça amotinada, varrida por demónios que me escaldam as veias. E, contudo, por onde quer que vá, do lado oposto ao Sol, sei-os comigo esfregando as mãozinhas cadavéricas danados por uma cólera, por uma espera desavisada ou uma retumbante contenda. Às corjas não se diz não, não se fitam os olhos; não lhes encostamos a ponta do florete alardeados em espadachins. Porriginosas, aperaltam-se pelo valor facial, lustram os seus galhardetes e, lestas, confundem e cegam. Aos nossos demónios devemos dizer sempre sim, que os compreendemos, que são robustos e grandiloquentes. É desígnio de pouca dura, aos primeiros raios solares mingam, encarquilham-se de vergonha e surtem em pó. E por vezes não voltam.
© Paulo Abreu e Lima
terça-feira, 7 de abril de 2015
Seres peregrinos
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É bom sabermos exorcizar os nossos demónios.
ResponderEliminarBoa tarde. :)
Melhor é saber-lhes as fragilidades.
EliminarBoa tarde :)
É um texto muito bonito, Paulo, e algo perturbador, também. Como a vida!
ResponderEliminarBeijinho :)
Todo o mal humano é perturbador, Isabel.
EliminarBeijinho :)
Ora aqui está uma pequena mentira dita aos nossos demónios. E por uma boa causa. ;)
ResponderEliminarBeijinho Paulo
E nada caridosa ;)
EliminarBeijinho, Maria João