© Paulo Abreu e Lima

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Temos o direito a ser felizes?


Não, não temos.
Qual é a diferença entre um jovem e um adulto? Por graça, costumo responder: a diferença está no preço elevado dos gadgets que o adulto possui ou deseja possuir. Não me refiro às engenhocas electrónicas, mas aos objectos fontes de desejo, quase sempre efémeros, com que um adulto se defronta ao longo da vida. No universo lacaniano (Jacques Lacan), tanto pode ser um automóvel último modelo como a mais formosa actriz da actualidade, um Patek Philippe ou uma noitada de sexo bravio. Dir-me-ão: ser adulto não é isso. Responder-vos-ei: não, não é, mas muitos pensam e agem assim. Só não o dizem.
A ideia de felicidade, qualquer que seja a sua abordagem (filosófica, religiosa, psicológica, económica), está sempre associada a bem-estar, a prazer, a boa adaptação, a paz, a "salvação", a ausência de desconforto e de dor – a qualquer coisa invariavelmente boa. E nesta perspectiva ninguém pode arrogar-se no direito de ser feliz, pela singela condição de que qualquer direito (positivo ou natural) não determina nem consagra este estado de graça. Não me vão dizer que leram no código civil, na constituição ou na declaração universal dos direitos humanos uma única referência a felicidade, logo, por que carga de água esta seria um direito, mesmo que consuetudinário? Não é, não o possuímos, não constitui costume.
Voltemos atrás e reformulemos a questão: o que distingue um adulto de um não adulto? A capacidade daquele em assumir compromissos, fazer escolhas em consciência e levar por diante os seus objectivos, arcando, uma por uma, as consequências de cada um dos seus actos. É esta a distinção, é assim que se atinge a maioridade e a ulterior maturidade. Muitos nunca chegam lá e outros ficam pelo caminho, depende de cada um; é um processo individual e solitário. Por analogia, retomemos a ideia da almejada felicidade. O indivíduo adulto, tendo plena consciência que esta não advém de nenhuma inspiração divina, nem de normas naturais ou objectivas, sabe que se a quiser atingir tem de se sujeitar a alguns preceitos. Aceitar o outro tal como ele é, será um. Aceitar-se a si próprio, outro. Aceitar as contingências e vicissitudes externas, outro ainda. O Homem não está predestinado à felicidade nem esta é um direito adquirido. Mas consentir, ceder e responsabilizar-se pelas escolhas em honradez é meio caminho para uma promessa de tranquilidade, satisfação e felícia. Há um mundo inteiro entre um direito e uma obrigação. E a felicidade, por mais que soe esquisito, está mais próxima desta.

25 comentários:

  1. Não deixa de ser interessante a sua exposição, mas acho que deu uma grande volta para chegar onde queria chegar. Percebo o seu ponto de vista e tendo a concordar com a sua conclusão, mas também acho que não se vive em estado de permanente felicidade e nesse sentido ela não é atingível para os "felizardos" que conseguem lá chegar, mas que independentemente do que possa significar para cada um. ela é feita sobretudo de momentos, situações, etc, que sempre alternarão com outros que o não são, ou serão menos.
    Bom, não sei se me expliquei muito bem, ou se entendi inteiramente o que quis dizer...

    Beijinho :)

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    1. Isabel, explicou-se bem, mas a "grande volta para chegar onde queria" é muito mais importante do que a conclusão. Passo a explicar: as pessoas acham-se no direito de serem felizes, sem mais. acham que têm todo o direito de experimentar a felicidade - desde a efémera à "continuada" - sem fazerem nada para que isso aconteça. Crêem veementemente que lhes "assiste" esse abono, esse complemento. Ouve-se à toa: tenho o direito de ser feliz. Não é verdade, é uma irresponsabilidade dos tempos que correm pensar assim! "Correr atrás da felicidade" é uma falácia; são as próprias que têm essa incumbência. Estou farto deste choradinho...

      Beijinho :)

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  2. Cada vez mais considero a felicidade um conceito construído, que nem sei se quero. Explico melhor: não quero. Não da forma que a dizem, um estado perfeito de existência, mais permanente ou menos permanente, não me importa. O que me apraz cada vez mais é outra coisa, ou seja, a minha busca vai noutro sentido, que não a perfeição. Vai no sentido do encontro e da tranquilidade, comigo e com quem está perto de mim. Não me interessam por aí além momentos de alegria pura. Mas perco-me, totalmente, por instantes onde me encontro inteira, sozinha ou acompanhada, na essência da coisa em questão, e para isso, pois claro, são precisos muitos momentos de infelicidade. Podes ir mais longe e perguntar-me: e felicidade não será isso mesmo, o encontro, a essência? Respondo-te que para mim isso não é propriamente felicidade. É mais plenitude, um termo que eu considero muito mais completo, abrangente e... feliz.

    :)

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    1. O significante é indiferente aqui: felicidade, plenitude, encontro ou tranquilidade - "qualquer coisa invariavelmente boa". De qualquer forma, um significante "feliz" trará sempre maior felicidade ou plenitude.

      (Por não existir nenhum estado perfeito de existência é que ninguém deve apropriar-se de nenhum direito à felicidade/plenitude/whatever)

      :)

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  3. Paulo
    A Constituição americana fala de um direito à felicidade. Julgo que será a única a faze-lo.
    A felicidade não é um direito nem uma obrigação. Quanto a mim é uma opção de vida.
    Ser infeliz não custa muito. Todos o somos um pouco. Ser feliz, ao contrário, custa muito!
    A felicidade como um todo não existe. O que existe são fugazes momentos de felicidade....
    Abraço

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    1. Helena, penso que só consta na Declaração de Independência dos Estados Unidos:

      We hold these Truths to be self-evident, that all Men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the Pursuit of Happiness(...). E, como se pode ler; não é o direito à felicidade, mas o direito da busca da felicidade. Não sendo um direito nem uma obrigação, estará mais perto desta última. Ou, então, vamos dar razão a Sartre quando afirma "O Inferno são os outros" :-)
      Claro que a felicidade como um todo é uma construção filosófica, mas acredito numa mediana modular de satisfação geral pela Vida...
      Abraço

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    2. Tem razão Paulo. Eu fiz uma extrapolação que me pareceu ir de encontro ao que tinha dito. O direito a buscar a felicidade não é o mesmo que o direito à felicidade. Mas não lhe parece que reconheca a felicidade como algo a que temos direito?
      Abraço

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    3. Enquanto fonte de prazer não, não temos esse direito, mas enquanto compromisso, responsabilidade e consciência plena, sim, temos esse direito e essa obrigação, simultânea ou concomitantemente.
      Grande Abraço

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  4. Concordo completamente com o comentário da CF.
    A felicidade é a soma de momentos plenos e felizes, que na maior parte das vezes, depende inteiramente de nós e das nossas escolhas.
    Como na vida não há só momentos felizes, esses outros, devem ser vistos como aprendizagem para melhor desfrute dos primeiros :)

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    1. Também concordo, como a CF concorda com o que escrevi. Mas o enfâse que quis dar foi outro. Foi retirar da ideia que a felicidade (seja lá o que isso seja) é um direito. Não é. De resto, concordo com tudo :)

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  5. Paulo, estou plenamente de acordo consigo. Acreditar que a felicidade é um direito que nos assiste impede-nos de criar defesas e estruturas para enfrentar as dificuldades e as frustrações inerentes à vida. Penso que felicidade é aceitar o que somos, o que temos e o que podemos ser e ter. Construir a felicidade é um ato de fé. Em Deus, nas coisas criadas ou até em nós mesmos. No que quisermos. A felicidade é um instante, é retalho que vamos cosendo na malha dos dias. Não é um direito adquirido (dependente de terceiros), mas é um direito que podemos ir conquistando para nós mesmos (escolha pessoal). A felicidade é também uma obrigação, uma responsabilidade, uma disciplina que assumimos perante os seres que amamos e que nos amam. É por eles e por nós que cuidamos, com desvelo, do pequeno canteiro que é a nossa vida. A felicidade envolve, assim, o direito de conquistar e a obrigação de cultivar. E é essa duplicidade que que a torna una, como o direito e o avesso de um vestido. Embora não coincidam, são a mesma coisa.
    Um beijinho para si

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    1. E eu, Miss Smile, absolutamente de acordo consigo. Digo mais, o seu comentário foi um excelente complemento e suplemento ao meu post. Grato pela atenção.
      Beijinho

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  6. Uns não sabem se querem a felicidade, outros, pasme-se, acham que a felicidade é uma opção...eu sugiro uma visitinha curta a um campo de treino, algures no Curdistão iraquiano, para explicar isso a quem vive de kalash nas unhas e tenta chegar vivo ao minuto seguinte, à hora seguinte, ao dia seguinte.
    A felicidade, é portanto, um conceito muito subjectivo. Mas uma coisa é certa não é apanágio de alguns em detrimento das condições básicas de todos. Partindo do principio que as condições básicas da dignidade humana , trazem alguma felicidade. E eu creio que isso é consensual. Sobretudo para quem não as tem. E são muitos... milhões de pessoas.

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    1. Filipa,
      Não é necessário ir a nenhum dos Curdistões para empunhar uma AK-47 (eu próprio já o fiz em Lagos, na Nigéria, por uma questão de defesa), como não necessitamos visitar um cenário de guerrilha e sobressalto permanente para testarmos se somos "felizes". Conheci alguns países africanos sem condições básicas algumas e nem todos eram infelizes. Fez-me lembrar a frase de abertura de Anna Karenina - "Todas as famílias felizes são iguais, as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira". E ponha milhares de milhões nisso. Contudo, gostava de saber a sua opinião, não sobre o que é a felicidade mas à questão que coloquei: temos todos direito a ser felizes? É que depois do que arguiu, parece que sim.

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    2. Eu luto por isso Paulo. Pelo direito das pessoas à felicidade. Algumas vezes em situações onde parece que isso é totalmente impossível. Nem que seja por uns minutos de felicidade...antes de se morrer, dois dias depois e aos 16 anos. (a semana passada e sem cenário de conflito, que aí as coisas complicam). Fiquei contente por essas gargalhadas.
      Acho que sim Paulo. Acho que todos os seres humanos têm direito a momentos de felicidade. Até porque os verdadeiros momentos de felicidade são quase sempre (falo dos verdadeiros, não do gadget novo) proporcionados por outros seres humanos.
      Essa é uma das nossas missões mais importantes neste mundo: tornar os outros felizes!
      Quanto a não testar, não sei se é assim. Parece-me que a felicidade, também se aprende...

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    3. Compreendo e aplaudo a sua postura, que acaba também por ser uma procura pessoal de felicidade - «O homem morre a primeira vez quando perde o entusiasmo.» (Balzac). Mas há-de concordar comigo que nem sempre as pessoas escolhem esse caminho, preferindo o percurso da culpa e o da autocomiseração (e aqui talvez possamos falar de opção, consciente ou não), sendo muito difícil conseguir arrancar-lhes um sorriso, um conforto, um sentido, o que não quer dizer que desistamos delas. E, claro, a felicidade é um processo de aprendizagem, mas apenas se assim o quisermos...

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    4. "Uns não sabem se querem a felicidade, outros, pasme-se, acham que a felicidade é uma opção".
      Não é preciso ir ao Curdistão, George Sand. Nem pasmar por se optar pela felicidade.
      Quando se perde quase tudo o que consideramos dar razão à nossa vida, o que nos resta, creia, é já uma enorme felicidade.

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    5. Referia-me a quem não tem opção Helena Sacadura Cabral. Há quem não tenha nenhuma opção. Aliás, cada vez mais estamos a criar sociedades em que a maioria, tende a não ter opções nenhumas.
      Quanto a ir ou não ao Curdistão, discordo. O sofá da sala, creio que dificilmente nos dará a verdadeira dimensão da realidade de milhões de pessoas que não têm opção de coisíssima nenhuma. Apenas tentam sobreviver.
      Ter opção seja do que for, é um luxo. (Não desmerecendo obviamente as situações dolorosas e pessoais porque passou)
      Há uma diferença substancial entre nós: é que eu tenho pouquíssimas certezas e sempre umas opiniões muito limitadas e muito vagas.
      Paulo Abreu e Lima, claro que sim. Dificilmente se ajuda quem não quer ser ajudado...ou talvez não. Mas aí já é preciso intervir de outras formas...para que as pessoas encontrem motivação nelas mesmas...
      GS

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    6. GS
      É bom discordarmos. Há muitos anos trabalhei com o Padre Abel Varzim numa zona de Lisboa chamada Curraleira. O que por lá vi de miséria humana - pessoas a viver dentro de tubos enfiados em buracos de terra e a comerem ratazanas - não será o Curdistão com bombas e Kalash, mas acredito que a atrocidade que sofreram era de enorme violência.
      Quanto a certezas, está enganada. Tenho muito poucas. Mas as que tenho acompanham-me hé pelo menos cinco décadas. Quanto às opiniões, de facto tem razão. Nunca me furtei a exprimi-las. Talvez seja um defeito. Mas já é tarde para mudar!

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  7. O seu post e o comentario da Miss Smile dizem tudo. Estou completamente de acordo.
    Só acrescento que, infelizmente, a ideia de se ter direito está demasiadamente assumida. Tem se direito a tudo! :( É uma posiçao, no minimo, vigarista. Digo eu.

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    1. Numa sociedade onde o prazer e satisfação imediata nos são constantemente impostos, o menu dos direitos só espera a escolha. É a sociedade dos "países desenvolvidos"...

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  8. A este propósito, recomendo a leitura do livro Man's Search for Meaning de Viktor Emil Frankl, um neurologista e psiquiatra austríaco, sobrevivente dos campos de concentração, onde perdeu grande parte da sua família. O seu livro, publicado em 1946, é um testemunho de alguém que, tendo sofrido as piores atrocidades imagináveis, conseguiu, mesmo assim, conservar a integridade da sua alma. Quando tudo se perde, a única coisa que sobra é a liberdade humana, a capacidade de escolher, a atitude pessoal e construtiva que se assume perante determinadas circunstâncias. De acordo com Frankl, o homem pode suportar tudo, menos a falta de sentido. O sentido da vida, como realidade ontológica, como algo que existe, mas que tem de ser encontrado. O sofrimento faz parte da vida, tal como a morte, e também para ele é preciso encontrar um sentido. Os destinos e os seres humanos são todos diferentes. Nenhuma situação se repete. E, a cada nova situação, o ser humano é solicitado a assumir uma atitude diferente. Frankl constatou que os prisioneiros que conseguiram conservar o autodomínio e a sanidade eram precisamente aqueles que tinham um forte sentido de dever, de missão e de obrigação. A obrigação que cada um de nós tem de se transcender. Quando não é possível mudar as circunstâncias, a vida desafia-nos a mudar-nos a nós próprios. Sobre a felicidade, Frankl escreve “Happiness cannot be pursued; it must ensue.” Deixo aqui um link de acesso a alguns trechos do seu livro: https://www.goodreads.com/work/quotes/3389674-trotzdem-ja-zum-leben-sagen-ein-psychologe-erlebt-das-konzentrationslag

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    1. Estive a ler os trechos e não deixa de ser uma abordagem muito lúcida e assertiva, abrindo um mundo de possibilidades. Não conhecia o autor e o livro, muito obrigado por nos dar a conhecer, Miss.

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  9. Sem dúvida que a felicidade se constrói. A mim só me chateia os discursos que afirmam que a felicidade é única e exclusivamente uma opção, algo que está muito na moda, quase como se fosse uma constatação de competência. Como se, à partida, quem não se afirma feliz, não se estivesse a esforçar o suficiente, ou como se as circunstâncias estivessem sempre em segundo plano (o que não foi o caso deste texto, mas levou-me a esta reflexão). Mesmo em circunstâncias semelhantes, somos todos diferentes, e ninguém tem o direito de dizer que alguém deveria saber ser mais feliz.

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    1. Pois, mas os livros de auto-ajuda andam por aí há mais de vinte anos... supostamente, deveríamos conhecer muito bem o caminho para a felicidade e, como diz, se não o conhecemos é porque somos incompetentes, nem que seja por não os comprar :)

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