Calcorreei a costa vicentina impiedoso, deixando pelas infindas praias alvas promessas impossíveis de realizar, como um carteiro de sacola cheia de cartas de poesia sem destino mas ávido por as entregar, como um mensageiro almocreve que solta solene a voz ao mar e segue sem esperar. Peregrinei pelas suculentas camarinhas pérola, pelos chorões gordos rastejantes, pelas perpétuas das dunas, pelas escarpas e falésias de basalto, calcário e saibro. Andei sem me fartar pela serpenteante estradinha junto ao Oceano bravio, cor de prata cristofle manchada de verdes e azuis cinza, até Vila do Bispo, de sua graça D. Fernando Coutinho.
Desci o monte e cheguei ao restaurante da praia na hora exacta. Pedi uma sandwich de atum com cebola roxa, uma cerveja e um café. Já levo, onde estão? – pergunta o empregado. A máquina e o tabaco estão na mesa lá fora – respondi. Depois do repasto e do cigarro baixei ao areal, montei o tripé e comecei a disparar. Não precisava sentir aquele expressivo sossego, fotografar traz-me paz suficiente, uma espécie de concentração que me eleva os pés descalços do chão. Se algum dia me virem a levitar, estou de máquina em riste apontando na vossa direcção. Passados uns minutos oiço uma voz ao longe: "sorri, sorri".
Era uma mulher de silhueta esguia de telemóvel na mão caminhando até mim. Não dizia "sorri", mas "sorry" enquanto me fotografava. Falava um Inglês incaracterístico, às vezes parecia gaélico, não teria trinta anos, muito ruiva e sardenta. Hi, no problem, where are you from? – perguntei. I'm originally from Auckland, New Zealand, but I live in Edinburgh – respondeu com um sorriso enquanto afastava o cabelo dos olhos.
Disse-me que visitava os avós reformados com residência permanente perto de Sagres, era órfã de mãe e pai e adorava Portugal – This is gorgeous, an amazing country!
Carol manifestamente exagerava para quem nascera na Nova Zelândia, ou mesmo vivia na Escócia, mas continuava frenética: You’re a lucky guy. Pediu-me para ver as fotos e tirar uma com a minha máquina. Geóloga de formação, integrava uma equipa internacional de observação e estudo das placas tectónicas. Voltamos para a esplanada do restaurante, fui lá dentro pedir outro café para mim e uma cerveja para ela. O empregado voltou a perguntar: já levo, onde estão? Respondi: estamos ali.
Estou aqui, numa levitação do olhar e do contar. :)
ResponderEliminarOh... muito obrigado, Luísa. :)
EliminarAo fim de um dia feio, chuvoso, com um vento furioso, com a natureza zangada, ver a primeira fotografia é uma maravilha. A natureza é algo indiscritivel. Tanto nos faz temer, como nos dá uma paz elevadora.
ResponderEliminarQue sorte tem, quem capta momentos destes!
E ainda ter uma companhia inesperada e genuina.
Nao sei as partes más deste dia, mas tambem nao quero saber. Diria que o Paulo teve um dia compensador ;)
Beijinho
Foi um dia incaracterístico, sim, Maria João. Gosto de fotografar sozinho, aliás, uma vez por mês preciso de estar sozinho sentindo o pulsar da Natureza. Beijinho.
EliminarAcabeu de comentar e pensei : "Eu gosto mesmo deste blog"
ResponderEliminarTinha que vir dizer-vos.
Beijinho para si e para a CF
Oh... que simpatia :)
EliminarUm beijinho meu, Maria João.
Há momentos raros, Paulo!
ResponderEliminarPorquê? Vá-se lá saber...
:-))
Raros e necessários, Helena. Sou um aventureiro solitário com muito prazer :-)
EliminarPaulo, quem ficou a levitar fui eu! Captar a natureza tal como ela se dá ao olhar é uma Arte e revela uma enorme sensibilidade, pois ninguém consegue ver o que não tem já dentro de si. E eu, pelos seus olhos, consigo sentir o marulhar do Atlântico, o respirar do mar e o vento fresco como que a relembrar como pode ser a vida. Penso que a verdadeira viagem reside nesse olhar que espelha uma profusão de amarelos, laranjas e violetas no céu do fim do dia, para lá do horizonte. E depois, há ainda os encontros e os sorrisos inesperados, que transformam a viagem numa boa viagem.
ResponderEliminarSomos mais felizes junto de pessoas que nos fazem sentir a indubitável beleza da natureza. É também por isso que cá venho regularmente recolher a minha carta de poesia :)
Miss, se alguém me perguntar onde estou, direi que viajo, viajo sempre por mim, pelos outros e pelos sítios. Nunca estou no mesmo lugar ou, melhor, estou, quando regresso.
EliminarMuito agradecido pelas suas palavras, regularmente também recebo as suas cartas que muito me confortam :)
Esse é o meu lugar de eleição. Praia de Castelejo. Bar da praia com uma escadinha perigosa até ao areal imenso, rochas de xisto em camadas, por onde passa a água transparente de cristal. A neblina e o cheiro a maresia inegualáveis, a falésia ameaçadora e as dunas simpáticas. Se um dia morrer ali, morro feliz, não a levitar, mas a contemplar o Éden.
ResponderEliminarAs tuas fotos, sobretudo a primeira fizeram-me lembrar as primeiras que lá tirei com a minha Canon. Magnífica. Mas nunca igual à realidade.
Depois disso, todos os anos tiro fotos maravilhosas desse local, pois ele é sempre especial.
Ainda bem que lá foste. Mereces!
Virgínia, conheço aquela praia desde os meus primeiros anos de adolescência, antes ainda do restaurante-esplanada quando era ainda mais difícil lá chegar. Entretanto, vá-se lá saber porquê, nunca mais voltei. Até Sábado passado. Lembrei-me de si, claro. O lugar é fora do mundo, enorme com a maré vazia, sem vento, só iodo, cheiro a mar. Continua um local semi-secreto excelente para reflectir...
EliminarObrigado, Virgínia.
Só uma achega. Já pintei 3 quadros com as rochas de Castelejo. Essa que tu fotografaste. :)
ResponderEliminarFico sem palavras diante destas "rêveries du promeneur solitaire", verdadeira prosa poética (adoro, sobretudo, o primeiro parágrafo!), mas acima de tudo, pela habitual conjugação perfeita de palavras, imagem e som.
ResponderEliminarEsta série do Sol (da qual me assumo fã incondicional) não fica a dever nada à série da Lua. E volto a uma conversa antiga: porque não reunir tudo e publicar? Pense nisso. (mas...com carinho!...)
Beijinho :)
Isabel, ainda não tenho suficiente material para defender uma publicação ou uma exposição. Se algum dia o fizer, não quero que ninguém de lá saia igual, quero todos diferentes, participantes aqui do "promeneur solitaire". Daqui a dois anos, quem sabe... :)
EliminarBeijinho :)
Desculpa a insistência...em Fevereiro escreveste que não conhecias a praia - http://coresmovimento.blogspot.pt/2015/02/castelejo.html e aconselhei-te ir. Nessa entrada coloquei um quadro meu que procura retratar esse local. Fica aqui o link, pode ser que aches graça a rever o quadro :)
ResponderEliminarVirgínia, estou com um problema que já lhe alertei: não consigo navegar pelo seu blogue :( Neste momento tive de ir ao telemóvel ver o quadro (muito bonito). Por favor, veja lá o que consegue fazer, é muito frustrante e já experimentei vários pc. Só vejo pelo tablet ou telemóvel, mas não é a mesma coisa...
EliminarPois é, Paulo, e fico a perder sem os vossos comentários, mesmo que esporádicos :) . Que browser usas? No Chrome consegue-se entrar sem problemas, o Safari é mais problemático. Não consigo perceber o que se passa e não tenho aqui o meu filho para me aconselhar. Ele veio e foi, quase nem dei por isso. Limpei tudo com o McKeeper que comprei propositadamente e neste momento o acesso é fácil. Penso que o problema veio de Leeds onde usei a net do Hotel Radisson. Só espero que isto passe, mas não deixarei de vir aqui sempre que puder. Bjo
EliminarUso o IE ou o Chrome e em nenhum deles consigo sequer ler os posts, fico logo bloqueado com aquele popup que me leva a esta janela:
Eliminarhttp://signup.clicksor.com/advertise_here.php?nid=1&srid=&ref=286960 Se volto atrás, fico na janela anterior ao seu blogue. Bjo
Ai! Ai! Paulo o post que eu hei-de fazer sobre os/as aventureiros/as solitários/as...
ResponderEliminarÉ tão bom e tão pacificante quando se sabe que se pode ter sempre no retorno, companhia.
Não será por isso mesmo que essa solidão é tão aventureira?!
Abraço
Esta "solidão" é muito aventureira exactamente porque há sempre o conforto do regresso, mas olhe que desde muito novo que percorri meio mundo sozinho, às vezes em condições complicadas, mas nunca me senti só.
EliminarHelena, fico ansiosamente à espera do seu post sobre os(as) aventureiros(as) solitários(as)!
Abraço
Um destes dias de sol, ele sairá...
EliminarCastelejo, Cordoama, Ponta Ruiva praias por onde corri, brinquei, apanhei ouriços, lapas, burgaus. Moro no concelho e não me canso de fotografar estes belos sítios sempre diferentes a cada momento.
ResponderEliminarGostei de por aqui passar.
Benó, muito grato pela sua visita. Mora em Aljezur? Que sorte... :)
EliminarNão, Paulo, moro no concelho de Vila do Bispo, onde o sol se ergue do mar, por trás das ilhas e mergulha numa despedida, ao fim do dia, no cabo sempre ventoso. Sou uma sortuda, sim.
EliminarTem razão, aí vê-se o sol a nascer e a morrer no mar, nascente e poente do Promontorium Saacrum. Ponha sortuda nisso.
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