© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 4 de junho de 2015

dona ana

Dona Ana fustigou-me afincadamente horas a fio. Contou-me em detalhe a casa com piscina que tinha à venda, as roupas que não lhe serviam, o filho que não estudava, a sogra que não morria. Levou-me a acreditar que é possível viver no meio de um circo sem perder uma agulha, ensinou-me a conseguir estar cinquenta minutos em escuta sem proferir uma única palavra, mas nisto fartou-se de mim, muito mais tarde do que eu dela, e desertou. Ontem recebi o telefonema de uma empresa de segurança à qual deu o meu contacto, como potencial interessada em adquirir um sistema de alarmes. Já não me lembrava da Dona Ana. Já não me recordava do seu ar pequeno e agitado, tingido a loiro pastel. A vida encarregou-se de me dizer em viva voz que há gente que nunca se esquece, e que mesmo que eu queira fazê-lo há sempre um alarme que toca algures, a ensinar-me que quem manda não sou eu, é a lógica da oportunidade.

2 comentários:

  1. Há sempre uma dona, algures, perita em instalar alarmes na vida dos outros enquanto a sua própria vida fica esquecida na gaveta e se esboroa perante a inércia dos dias. Eu conheço algumas :)

    Um beijinho CF

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    Respostas
    1. É o que não falta... :))

      Bom Domingo Miss Smile

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