© Paulo Abreu e Lima

sábado, 15 de agosto de 2015

croché

Os meus passos são lentos, respiro o vento fresco da tarde a lembrar-me o inverno que me demora sempre mais do que o Agosto. Olho para um lado e para o outro e encontro pouca gente, meia dúzia de pessoas, mais coisa menos coisa, a cidade ausentou-se para férias e certamente estará a sul, de armas, bagagens, corpos e descansos. De repente, como que num milagre, a cidade adormecida acordou para a vida. Uma mulher alta e vistosa enverga uma blusa decotada, uns calções floridos e uns saltos agulha, bem altos. Apresenta-se sabedora da arte, abana-se no sítio certo, sacode o cabelo na perfeição, mexe os braços com graça, olha de lado para a pequena multidão que entretanto se reuniu, estou para saber de onde surgiu. O senhor da mota levantou-se do banco e ajeitou as calças. O que se encontrava em frente a este, na conversa, deve ter sido avisado, só pode, vira-se e enrola o bigode. As obras da pastelaria param uns bons segundos, pás em riste, massa a secar ao vento e ao sol, tijolos na mão quase a cair, olhos postos numa outra obra, neste caso de Deus, o mais divino e perfeito de todos os criadores. Ao lado dela estava outra moça, discreta, pequena, a lembrar a normalidade. Entraram as duas na loja chinesa que vende todas as peças que possamos idealizar, à excepção do que eu preciso, claro, não me lembro de uma vez em que me tenha salvo a vida. Ainda outro dia, por exemplo, necessitei de um difusor de caracóis. Corri uma de fio a pavio, palmilhei filas inteiras de artefactos de beleza, sombras, lápis, vernizes, alisadores, secadores, escovas de enrolar, rolos e ganchos diversos, máquinas de depilação e bandinhas de cera perfumada, recipientes de tinta, lacas, pincéis e outros aplicadores, espumas de pentear. Mas de difusor, nada, artigo desconhecido do mestre da loja, nunca ouviu falar, não sabe para que serve, não está interessado em saber.
Prossegui viagem e espreitei pela montra. Lá dentro a jovem beldade munia-se de produtos diversos para se mimar, para por sua vez mimar o mundo com a sua real beleza, enquanto a normalidade a olhava e auxiliava. Não consegui deixar de a imaginar na saída, alta, esbelta, ainda mais bela com o sorriso de satisfação pelas aquisições. As mulheres bonitas distribuem felicidade, o mundo deveria ser obrigado a agradecer-lhe por isso. E as lojas dos chineses ajudam quem pode, a quem basta um simples batom para que o rosto se ilumine e o mundo pare. Difusores de caracóis são para gente trivial, pequena, corriqueira e despenteada, que pode sempre animar-se com umas boas agulhas de croché. Havia às dúzias, num cestinho de verga, aninhadas entre novelos coloridos e muito arrumados. 

4 comentários:

  1. O mundo agradece, mas o sortudo sou eu. Todos os dias... :)

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    1. Não deves ter percebido a história... A tua sorte é a do difusor de caracóis, como sabes... Quanto ao croché, foi mesmo só para enfeitar... :)

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    2. Percebi, sim :) Tu é que tens a mania de trocar as personagens. Afinal quem ilumina esta cidade...?

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    3. Por esta hora nocturna, são os candeeiros da cidade... :)

      ( Os teus olhos são sempre um amor... :))

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