© Paulo Abreu e Lima

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A terceira pedra



Irrita-me quando "os de mais idade" apelidam os primeiros amores de adolescência como namoricos. Nada mais falso. O encanto das primeiras paixões reside na sua autenticidade, na pureza à flor da pele, na falta de apetite, nos chiliques, em todos fenómenos químicos – elevados níveis de dopamina e norepinefrina – amplamente estudados. Aqui, só há verdade; não há namoricos quando há fanicos nem paixonetas quando não há tretas. Tudo se sobrepõe aos mínimos olímpicos.
Mais tarde, não há paixões, há relações. Como um processo esquematizado que culmina num nome indecifrável: amor. A prova de que ninguém o descodificou está na multiplicidade de definições e descrições que norteiam poetas e prosistas. É fonte de inspiração e de alimento, mas ninguém soube donde veio. Cuidado é, porventura, a palavra mais avisada. Não é sinónimo de amor, mas não é menos multifacetado. Implica crença, atenção, carinho e cumplicidade e, entre muitos outros, é qualificativo.
Um dia disseram-me que era muito naïf nas relações, uma espécie de desastre. Não me apoquento, mesmo sabendo que estou à mercê de múltiplas decepções, continuo a acreditar no valor facial das pessoas, isto é, no que me demonstram e, crème de la crème, no que fica por mostrar. Não cultivo autocomiseração pela desilusão da paixão imberbe, muito pelo contrário, tenho-a como uma inevitabilidade da minha natureza, sou assim, e quem for verosimilhante me consuma e não deixe sobrar. E que traga um soupçon de malícia. Vem a calhar.

17 comentários:

  1. Os primeiros amores de adolescência apanham-nos desacautelados, sem resguardos, numa espécie de trapézio sem rede. Ainda não aprendemos o suficiente sobre nós para saber manusear o escudo (esse belo cálice em flor da sua fotografia) com alguma mestria e, com ele, atenuar as palpitações, as arritmias, as tremuras. Eu nunca tive chiliques, mas perdi sempre o apetite. Os primeiros amores podem não ser os melhores, podem não ser os mais duradores, mas são para sempre. São os primeiros, os mais inocentes, os mais autênticos e, por isso, inesquecíveis. E, contudo, contradição das contradições, sentimos cada novo amor como se fosse o primeiro. No meu caso, não me importo de dizer que a idade não temperou esses sintomas crónicos – palpitações, tremuras, falta de apetite. Só chiliques é que não. Quem sabe se não chegarão um dia quando começar a fazer parte desse grupo “dos de mais idade” :)

    Um beijinho :)

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    1. Miss Smile,

      Esqueçamos então os chiliques e os fanicos e fiquemos ambos por aquilo que nos é comum. As palpitações, as tremuras e a falta de apetite, o que por si só é obra de severas tempestades e fortes sismos num espaço tão pequeno quanto o nosso corpo :))

      Um beijinho :)

      (Fez-me rir muito...)

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  2. Para começar a fotografia é linda. Continuando, não entendo esse 'soupçon de malícia' num texto tão sincero. Para acabar, como é possível as palavras tocarem-nos tanto?... Sim, as suas, pois não tenho comentado mas nunca deixei de lê-lo. Muito obrigada!

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    1. Obrigado quanto à foto e ao texto. Quanto ao "soupçon de malícia" não poderia encaixar tão bem "num texto tão sincero".

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  3. Na minha modesta opinião, não tenho qualquer dúvida sobre o processo químico-biológico que se opera no corpo quando estamos apaixonados, sendo sempre o mesmo, carregado de dopamina. O que me espanta é saber que ainda conserva esta pureza ao longo da vida.. se me permite, sorte de quem o merecer :) :) :)

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    1. Sabe, Marta, o que me espanta é quem já nada sinta com tantas doses de couraça. Mas compreendo.

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  4. A paixão colhe em qualquer idade. Ser naïf não é, de todo, mau, pode é fazer penar mais um bocadinho.

    Boa noite. :)

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    1. Ó Maria, e como faz penar. Já vi tanto velhote enamorado como pessoas de meia idade desamadas.

      Excelente noite, Maria :)

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  5. A idade apenas traz experiências e saberes, que, a meu ver, bem aproveitados, podem ser preciosas ajudas, sem dispensar uma boa dose de paixão, que se quer, tal como nos amores pueris. Ser autêntico e acreditar na autenticidade dos outros não deve ser encarado como defeito, mas antes como uma virtude. O defeito não reside em si, mas sim nos outros que não lhe dão o devido valor. Só posso agradecer pelo belo texto :)


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    1. A Esmy é a amiga Esmeralda, certo? :-)

      Não tenho pruridos em ser assim, naïf ou pouco "preparado", desde que seja eu. Nunca serei um profissional do amor :)) nem de outro sentimento qualquer. Evito quem muito pouco dá, pensando que dá demais. Obrigado quanto ao resto...

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    2. Certo :) Ainda bem que não os tens e continua a seres Tu... Os sentimentos devem ser demonstrados de forma espontânea, sob pena de perderem todo o seu significado, portanto estás no caminho certo... Beijinho

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  6. "...Mais tarde, não há paixões, há relações."
    Não Paulo, mais tarde há ralações. Várias. Quase tantas, como as relações...

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    1. Ahahahah... lembrei-me disso enquanto escrevia, mas a um naïf como eu ficava mal :-)

      (Há mais ralações do que relações, oh-ho!)

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  7. Comecei a namorar aos 17 anos. Mas foi de caixão à cova. Quando se acabou a relação, pensei que morria de desgosto como a Maria do "Frei Luis de Sousa", que andava a ler. Dois anos mais tarde apaixonei-me a sério pelo homem da minha vida ( como agora se diz) e como vivíamos a 200 kms de distância, o amor foi mais que platónico, alimentado pelas despedidas em Santa Apolónia, seguidas do percurso do autocarro 28 até Belém, onde as lágrimas já teriam secado. Muitos adeuses disse naqueles anos...e mesmo depois de casada, anos mais tarde, fiquei sempre com aquela sensação de perda, do partir é morrer um pouco.
    Quanto a naiveté, pauto-me pela mesma tabela. Ainda sinto adrenalina quando um homem - seja ele novo ou velho - me toca na corda sensível. Agora, que já passei a idade da "ralação", as minhas paixões são mais cinéfilas, há actores que me levam ao céu. Acredito plenamente no "valor facial" das criaturas. Facial e não só.

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    1. Obrigado pelo seu comovente relato, Virgínia.
      Você chama-a de "corda sensível", eu chamo-a de nervo. E são tão poucas que acertam nele...
      Quanto a valores faciais e corporais, não me pronuncio :)

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  8. Pego também na frase "Mais tarde, não há paixões, há relações", como a qual não concordo lá muito. É que para além de não gostar nada da palavra "relação" (mas isto sou eu que tenho a mania de embirrar com certas palavras), parece que uma coisa exclui a outra. E é por aí que eu discordo. A paixão é da vida toda e a que distingue da paixão adolescente é o carácter de novidade e de surpresa dessa(s) primeira(s) vez(es). Mais tarde pode ser bem mais avassaladora, (para o bem e para o mal...) E um bocadinho como diz Miss Smile, cada novo amor é quase como se fosse o primeiro.

    Quanto à fotografia, acho que já a tinha visto antes, mas não é isso que lhe retira a beleza deslumbrante a que estamos já habituados e, ainda assim, sempre nos surpreende (mais ou menos como no amor...)

    Beijinho :)

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    1. Isabel,
      Longe de mim entrar em anatomias do relacionamento amoroso, mas estas coisas estão mais do que estudadas. Primeiro vem a paixão (processo químico completamente estudado com prazo de validade), depois vem a "construção" (processo pelo qual os dois passam em que se estudam e se analisam respectivamente por forma a decidirem ou não avançarem para um outro estádio). E por fim vem a "relação" (se não gosta do significamte em Português, podemos chamar-lhe förhållande em sueco), onde não basta um e o outro, surge o "nós". Nem todos os relacionamentos amorosos passam por estas três fases. Uns ficam-se pela paixão, outros finam-se na "construção" e outros chegam à "relação", digo, förhållande. Qualquer destes estádios de evolução surgem em qualquer altura da nossa vida, logo, a dita paixão pode ser repetida. O que eu quis frisar foi outra coisa. Que nenhuma paixão é tão verdade quanto as primeiras, pela singela razão que é experimentada pela primeira vez. Todas as outras ao longo da vida até podem ser mais "avassaladoras" (olhe, deste significante não gosto), mas não constitui surpresa suprema, pois antes algo lhe foi similar.

      Quanto à foto rubra, não sei se a publiquei no FB, mas se gostou e se surpreendeu, fico muito contente.
      Beijinho :)

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