© Paulo Abreu e Lima

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Abluções (4)

Por que razão somos demasiado exigentes com quem nos é próximo e tão benevolentes com quem nos é alheio? Poderíamos elencar prodigiosas razões, não fora o caso de asseverar que, por outro lado, com os nossos já fomos insalubremente descuidados e que com os outros obsequiosamente curiais. É nesta dúbia variação concomitante entre o sólido e o solúvel, o seguro e o volátil, o essencial e o assessório, que radica a nossa maior estupidez.

10 comentários:

  1. Isto é muito verdade. A parte positiva é que, com os que são próximos, temos toda a segurança para revelar a nossa verdadeira essência.

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    1. Temos quase toda a segurança, embora possa deteriorar as relações por constantes imputações de culpa, ou seja, o padrão de acção pode ser esse, mas arrisca-se a ser perdulário.

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  2. Não lhe chamaria estupidez, talvez excesso de condições e tão só porque nos importam, porque nos estão cá dentro. Tudo o resto são meras benevolências como bem dizes :)

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    1. Excesso de condições que podem sair caras. Tal como nós, os próximos necessitam de se sentir confortáveis e nunca sob a pressão de cobranças. Em boa verdade, malbaratamos o que nos é imprescindível e acabamos zelosos com o descartável. Não devia ser assim...

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    2. Não acho que isso seja verdade. Somos exigentes para com os menos conhecidos, só não expressamos o nosso desagrado. Ser exigente com os que nos estão perto só revela que os conhecemos e sabemos bem o que esperar deles.

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    3. E por que razão não expressamos o nosso desagrado? Porque não nos sentimos à vontade nem queremos ser desagradáveis. Preferimos guerrear com o que conhecemos bem, ao invés do que desconhecemos. Há aqui uma espécie de cobardia. É muito mais fácil ser desagradável com os nossos. Acontece que esta conduta não é virtuosa.

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  3. É junto dos nossos que somos mais iguais a nós próprios. É com eles que deixamos cair a máscara que oculta as nossas inseguranças, receios, alegrias, mas também irritações, manias e idiossincrasias. E, tragicamente, é precisamente a esses - aqueles que nos fazem experimentar a liberdade de podermos ser mais - que, por vezes, retiramos a liberdade de, connosco, poderem ser mais. Porque a exigência pode ser também uma forma de negar liberdade. A verdade é que quando somos muito exigentes com os “nossos”, estamos a ser pouco exigentes connosco. E porque o fazemos? Talvez porque seja mais fácil conviver com idealizações do que lidar com as diferenças. Nem sempre é fácil aceitar que os “nossos”, na sua plenitude, são e serão sempre, independentemente de nós e que, apesar de os amarmos, nos escapam continuamente. As idealizações são rígidas, estáticas. Elas são, acima de tudo, perfeitas e, por isso, pouco compatíveis com o ser-se humano. São para ser admiradas à distância, com aqueles que nos são alheios, mas que a nossa vaidade, com charme e benevolência, nos impele a conquistar. Os nossos já estão (aparentemente) conquistados, não é? Precisamos de idealizações, é certo, mas precisamos mais ainda dos “nossos”, aqueles a quem a proximidade nega constantemente a idealização. E como não podemos esquecer que a exigência maltrata o amor, sejamos exigentes connosco e tolerantes com os “nossos”. Desculpe o testamento. Prometo redimir-me em futuros comentários :)

    Um beijinho, Paulo

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    1. Miss Smile, escreva os "testamentos" que quiser. Vale a pena escrever meia dúzia de linhas para receber um comentário como o seu. É francamente gratificante ler alguém que nos entendeu até ao tutano. É tudo isso, não ficou nada de nada por dizer. Das duas, uma: ou sou muito bom a escrever de forma sucinta - aqui reservo-me ao direito de discordar -, ou a Miss Smile é exímia em decifrar - hipótese muito mais credível e consistente que a anterior. Muito obrigado :)

      Beijinho, Miss.

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  4. Estou absolutamente de acordo e digo-o muitas vezes, reclamando dessa injustiça que faz com que se minem muitas relações familiares. Há quem tenha um rosto para fora de casa e outro para dentro.
    ~CC~

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    1. Perfeitamente de acordo. E, sim, é uma profunda injustiça, CCF.

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