© Paulo Abreu e Lima

domingo, 29 de dezembro de 2013

2014


Vejo a programação televisiva que analisa em retrospectiva os acontecimentos do ano e as personalidades influentes, ao mesmo tempo que prevê factos mais ou menos consistentes, mudanças prognosticadas num passado atribulado por uma crise que insiste em sobreviver. Num outro canal discursa uma ciência exacta e prelectora, a sapiência que supostamente governa o mundo dos vivos e ambiciosos que precisam da explicação da matéria para além de todas as coisas. Oiço ambas com atenção, afasto os ouvidos clandestinos da tarefa incumbida por um garoto de dez anos que acha que a solução do tabuleiro de monopoly é a compra do Rossio, e acabo distraída a cogitar sobre os males do mundo que não acabarão com o (im)possível final da guerra na Síria, com o terminus das longas travessias de Lampedusa ou com a descoberta da cura para a doença de Alzheimer. É claro que os finais de calendário se propõem a análises e projectos efusivos e supostamente inovadores, pelo que todos os anos nesta altura se projectam ambições engolidas por horas assassinas que não deixam espaço para que a vida ande devagar e sempre a tempo. É claro ainda que é com boa intenção que prevemos jogadas de mestre com potenciais soluções miraculosas, objectivos pessoais, profissionais e sociais, desejos retardados e um conjunto significativo de faixas atropeladas por elas mesmas, incapazes de se difundirem por falta de capacidade real, mas que jamais definham de vez: mantêm-se na vanguarda da linha de partida em direcção a 2014, quando na verdade o que muda é um número, e algumas eventualidades políticas por inerentes decisões. 

Eu também não perco muito tempo com utilidades, devo confessar. Folheio os jornais e centro-me nas crianças, na fome e na violência, nos animais abandonados e depois fecho o dito, enquanto mergulho no chá quente com tília, não vá o sono sumir-se-me para sempre na noite, prevejo que jamais o encontraria. Não sou má por isso, é somente a concreta incapacidade para a aspirada mudança. Mas uma coisa tenho por verdade absoluta (e tenho poucas, tão poucas): descobri que cada vez mais me ligo à generosidade. Nunca tinha dado tanto valor à dádiva sem esperar nada em troca, e estou até convicta de que talvez seja esta a liberdade que faz falta ao Homem, numa utopia muito maior do que ele. Se a dita coubesse em 2014, este seria um ano enorme. Senão é continuar a tentar, que o que parece não faltar ao mundo é tempo (é a maior inveja que lhe tenho).    

2 comentários:

  1. Um excelente 2014, cheio de toda a espécie de generosidade(s), de sorrisos e de luz.
    Um beijinho e um brinde aos 365 dias novinhos em folha que aí vêm: tchim! tchim!

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    1. Obrigada Isabel. Espero que o próximo ano lhe traga tudo o que a faz feliz...
      Um beijinho para si.

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